Novos enfoques no tratamento da insuficiência cardíaca
Michel Batlouni
Até há alguns anos, a insuficiência cardíaca foi
considerada como distúrbio hemodinâmico determinante de um círculo vicioso
que impunha sobrecarga crescente ao coração e conduzia à progressão da
síndrome. Em conseqüência, admitia-se que o tratamento eficaz da
insuficiência cardíaca fosse a melhora da contratilidade miocárdica com
agentes inotrópicos positivos (especialmente digitálicos) e redução da
sobrecarga excessiva com repouso, dieta hipossódica, diuréticos e
vasodilatadores diretos. Essa estratégia, que visava apenas corrigir os
distúrbios hemodinâmicos, pode melhorar os sintomas, a capacidade funcional e
a qualidade de vida, porém não previne em longo prazo a progressão da
insuficiência cardíaca, nem reduz a mortalidade.
O reconhecimento da importância crucial das alterações
neurohormonais associadas ao declínio da função ventricular no processo de
remodelamento miocárdico e vascular e no prognóstico da insuficiência
cardíaca mudou sua concepção fisiopatológica e ensejou a utilização de
novos fármacos, que visam sobretudo inibir tais alterações e suas
conseqüências: inibidores da ECA, beta-bloqueadores e espironolactona.
A introdução clínica dos inibidores da enzima de
conversão da angiotensina (ECA) representou considerável avanço no tratamento
da insuficiência cardíaca. Inibindo a ECA (e a cininase II) esses medicamentos
reduzem a produção de angiotensina II, tanto circulante como miocárdica e
vascular, atenuando seus efeitos deletérios na evolução da IC. Ademais,
inibindo a degradação da bradicinina em metabolitos inativos, potencializa
seus efeitos benéficos. Vários grandes ensaios clínicos prospectivos,
duplo-cegos, randomizados e controlados, como CONSENSUS, SOLVD, SAVE, TRACE e
AIRE, utilizando o enalapril, captopril, trandolapril e ramipril, comprovaram os
efeitos benéficos desses fármacos, nos diferentes estágios evolutivos da IC,
tanto em relação à morbidade (melhora dos sintomas e da classe funcional,
redução das hospitalizações por IC), como à mortalidade. Os inibidores da
ECA são indicados também na terapêutica da disfunção ventricular sistólica
assintomática, para prevenir a dilatação ventricular esquerda progressiva.
Esses fármacos constituem atualmente medicação de primeira linha no
tratamento da IC e são em geral bem tolerados. Na impossibilidade de seu uso
por algumas reações adversas, como tosse e edema angioneurótico, podem ser
susbtituídos por antagonistas dos receptores de angiotensina II.
Os benefícios obtidos com o beta-bloqueio após infarto do
miocárdio, inclusive em pacientes com disfunção ventricular esquerda,
incentivou a realização de múltiplos ensaios com esses fármacos na
insuficiência cardíaca, sobretudo na última década. Entre os grandes ensaios
clínicos, com casuística e planejamento adequados, devem ser mencionados o Austrália
New Zeland Heart Failure Research (ANZ) e o US Carvedilol Heart Failure
Study, que utilizaram o carvedilol, o Cardiac Insufficiency Bisoprolol
Study (CIBIS II), que empregou o bisoprolol, e o Metoprolol CR/XL
Randomized Intervention Trial in Heart Failure (MERIT-HF), com metoprolol.
Todos esses estudos mostraram, convincentemente, que a adição de
beta-bloqueador ao tratamento tríplice da IC com diuréticos, inibidor da ECA e
digoxina, cronicamente, induz a melhora dos sintomas, da classe funcional e da
função ventricular esquerda. O aumento da fração de ejeção pelo
beta-bloqueio em longo prazo é maior do que o observado com qualquer outro
medicamento utilizado no tratamento da IC. Ademais, não obstante a
possibilidade de piora clínica inicial, em alguns casos, pela retirada do
suporte adrenérgico, os estudos mostraram melhora clínica a médio e longo
prazo na evolução da IC, redução dos episódios de agravamento da síndrome
e da necessidade de hospitalização, nos pacientes tratados com
beta-bloqueadores. Finalmente, demonstrou-se redução significante da
mortalidade, tanto total como súbita, em pacientes com miocardiopatia
isquêmica ou dilatada idiopática, de ambos os sexos, diabéticos ou não.
No Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, estudo aberto
com carvedilol, em 30 pacientes com IC CF II/III, com seguimento de um ano,
mostrou melhora significante da classe funcional, das dimensões ventriculares
diastólica e sistólica e da fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
Recentemente, foram publicados os resultados do Randomized
Aldactone Evaluation Study - RALES – do qual também participamos,
que avaliou a eficácia da espironolactona, um antagonista da aldosterona,
versus placebo, em pacientes com IC CF III/IV, já em uso de tratamento
tríplice convencional. Esse estudo mostrou redução significante da
mortalidade (30%) no grupo tratado com espironolactona, bem como da necessidade
de hospitalizações por IC.
Em conclusão, o arsenal terapêutico da IC enriqueceu-se
importantemente nos últimos anos, ensejando, além da redução da morbidade,
significante melhora do prognóstico, com melhora da sobrevida em todas as
classes funcionais.