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Tratamento Medicamentoso Da Insuficiência Cardíaca No Ano 2000: Quando
Indicar E Como Utilizar?
- Importância do conhecimento fisiopatológico na decisão terapêutica.
Dr Paulo José Tucci começou a palestra mostrando o
esquema de tratamento de 1988, que estava fundamentado na diminuição da
contração ventricular e retenção de líquido corporal em excesso, que era
o estereótipo do paciente com ICC.
Dr. Paulo comentou sobre o estudo CONSENSUS de 1987,
indicando que os Ieca diminuiam mortalidade nos pacientes com ICC, mesmo
comparado aqueles em uso de outros vasodilatadores. Até este estudo os Ieca
eram utilizados apenas como vasodilatadores.
Foi mostrado que as catecolaminas apresentam valor
preditivo e participativo para o aumento na mortalidade e na evolução do
quadro clínico da ICC.
Mostrou como está agora (ed. 1997) o manuseio
farmacológico da ICC, e as diferenças em relação a 1988, mostrando um uso
mais restrito de digital, uso mais amplo de Ieca e o papel do betabloqueador.
Foi comentado também sobre o papel das citocinas com
relação a disfunção ventricular, mostrando que as citocinas apesar de
agirem localmente, sendo a concentração tissular a mais importante, quando
em altas concentrações "migram" para a circulação sistêmica. O
fator de necrose tumoral alfa (TNF), IL-1 e IL-6 guardam relação direta com
a disfunção ventricular, mostrando princípios para a teoria inflamatória.
Mostrou estudos que comprovam que o TNF é um marcador de evolução, pois
pacientes que evoluiam para o óbito apresentavam maiores níveis de TNF.
A endotelina (ET) plasmática em modelos animais com ICC é
superior ao grupo controle. Estudos em cães com IAM e tratados com
bloqueadores de endotelina mostram uma significativa melhora da função
ventricular pós-IAM. Também em ratos tratados com ET foi verificado uma
diminuição significativa da mortalidade. Estes são dados preliminares que
certamente impulsionarão para o avanço terapêutico nesta linha.
Foi revisado o conceito de apoptose, que é a morte celular
fisiológica que regula a arquitetura e massa de tecidos. A apoptose foi
cogitada como um dos mecanismos precipitantes da ICC. O aumento da apoptose é
bem comprovado em pacientes que sofreram IAM e os índices são maiores quanto
maior a classe funcional da NYHA.
Por fim citou a parte genética no tratamento da ICC,
mostrando que pacientes com genes de deleção (DD) não secretam ECA e que
estes pacientes não mostrariam ter um benefício com o tratamento com Ieca.
Já os pacientes com genes II, ie, de inserção secretam ECA e estes sim
teriam benefício com tratamento com Ieca.
- Inibidores da ECA e bloqueadores AT1
Dr. Salvador Rassi começou mostrando alguns estudos
clínicos sobre
Ieca que foram realizados para verificarem a eficácia
desta droga na ICC. Citou 4 estudos. O estudo consensus que selecionou
pacientes classe funcional IV e comparou enalapril x placebo, mostrando uma
diminuição no RR de 40% em 6 meses e 21% em 12 meses e um NNT de 6, tendo
diminuído mortalidade e progressão da ICC. O estudo SOLVD-Tratamento
selecionou pacientes classe II-III e comparou os mesmos fármacos do CONSENSUS
mostrando uma diminuição do RR de 16% e um NNT em 3 anos de 22, concluindo
uma diminuição na mortalidade e diminuição na taxa de hospitalizações.
Outro estudo citado foi o VheFT que selecionou classe funcional II-III e
comparou enalapril versus hidralazina e isossorbida, tendo uma diminuição no
RR de 14% e um NNT em 3 anos de 15, com resultado final de diminuição de
mortalidade e morte súbita. No estudo SOLVD-Prevenção selecionou pacientes
classe I para receberem enalapril ou placebo mostrando diminuição no RR de
8% e um NNT em 3 anos de 104, mostrando diminuição na mortalidade,
necessidade de hospitalização e progressão da ICC.
Dr. Salvador mostrou também dados do uso de Ieca pós-IAM
em 3 estudos ( SAVE, AIRE e TRACE) que usaram captopril, ramipril e
trandolapril, respectivamente, mostrando estes 3 estudos uma diminuição na
mortalidade.
Após estar bem fundamentada a eficácia do Ieca na ICC,
partia-se para a questão de qual a dose a ser utilizada.
ESTUDO DROGA DOSE %DE PERMANÊNCIA C/ A DOSE
CONSENSUS enalapril 40mg 50%
SOLVD-T enalapril 20mg 49,3%
SOLVD-P enalapril 20mg 56,1%
VHeFT enalapril 20mg 61%
SAVE captopril 150mg 79%
TRACE trandolapril 4mg 54%
No estudo ATLAS foi verificado qual a melhor opção
terapêutica comparando baixas doses de lisinopril (2,5mg) e altas doses
(32,5mg) em pacientes com FE<30%em um seguimento de 45 meses, mostrando uma
tendência a diminuição na mortalidade total com altas doses com RR de 8%.
Quanto a hospitalização houve uma diminuição significativa no grupo altas
doses com uma diminuição no RR de 15%. Como era de se esperar o número de
efeitos adversos foi maior no grupo com altas doses, porém nenhum com
significância estatísticas.
Com estes resultados procura-se então otimizar o
tratamento com Ieca em doses semelhantes aos estudos clínicos e deixando para
usar doses menores quando estas não forem bem toleradas.
Quanto aos bloqueadores AT1 foram citados alguns estudos.
ELITE I publicado em 1997 que comparou captopril versus losartan com objetivo
primário de avaliar a disfunção renal, que se mostrou semelhante nos 2
grupos em torno de 10%. Neste estudo houve um achado inesperado, ou seja, uma
diminuição importante na mortalidade no grupo losartan, relacionado com
diminuição na morte súbita. Este dado incentivou a realização do ELITE II
desenhado para avaliar a mortalidade nestes 2 grupos. Neste interim, houve a
publicação do estudo RESOLVD, que utilizou candesartan, enalapril ou
candesartan + enalapril e tinha como objetivo avaliar a capacidade ao
exercício, função ventricular, sintomatologia e remodelação de VE. O
candesartan isolado mostrou melhorar a sintomatologia e a função VE. A
terapia combinada melhorou a modulação do sistema neuro-humoral e melhorou a
remodelação do VE. Porém o estudo foi interrompido porque apresentou um
aumento na mortalidade e no número de hospitalizações nos 2 primeiros
grupos, quando comparado ao enalapril. No ELITE II, publicado em 1999, avaliou
555 pacientes para receberem losartan ou captopril. Os resultados não foram
os esperados, mostrando uma curva de mortalidade semelhante nos dois grupos,
havendo uma tendência de menor mortalidade no grupo captopril. Com isso
permitiu-se concluir que os Ieca devem seguir como terapia de escolha e que os
AT1 devam servir de opção caso haja tolerância aos Ieca.
Existem 3 estudos em andamento avaliando os AT1. O estudo
OPTIMAAL compara captopril versus losartan em pacientes pós-IAM com
disfunção de VE e terá seu término neste ano. Outros estudos avaliando
candesartan e valsartan também estão em andamento e serão publicados em
2001 e 2002, tendo como objetivo verificar diminuição da mortalidade.
Foi mostrado alguns aspectos teóricos dos bloqueadores do
AT1 que parecem ser vantajosos, como o bloqueio mais completo do SRAA,
bloqueio seletivo do receptor AT1 com aumento do estímulo em AT2 e efeito
vasodilatador e antiproliferativo e igual potência hipotensora com menos
efeitos colaterais e ausência de hipotensão na primeira dose. Quanto aos
Ieca, existem aspectos teóricos que não falam a favor em relação ao AT1,
porém são os que apresentam estudos conclusivos de diminuição da
mortalidade.
- Diuréticos com ênfase na espironolactona
Dr. Humberto Villacorta Jr começou falando do momento em
que o diurético deve ser introduzido na terapia da ICC, apesar de se saber
que não há nenhum estudo clínico comprovando a sua eficácia em desfechos
clínicos. Um dos aspectos levantados foi a monitoração das doses dos
diuréticos, muitas vezes utilizada com controle do peso, controle do débito
urinário e na sintomatologia.
Dr. Humberto expôs algumas experiências quanto ao
manuseio com as doses dos diuréticos. Os pacientes que apresentam um aumento
de 1Kg de um dia para o outro ou de 2-3Kg em uma semana, podem ser orientados
a dobrarem a dose do diurético. Outra forma de controle seria através da
avaliação da capacidade funcional, através da escala de Naughton
modificada, teste de 6 minutos ou através de auto-avaliação. Todos estes
testes baseiam-se na idéia de dobrar a dose quando o limiar de esforço do
paciente se torne inferior. Outra forma de monitoração seria através do
escore de retenção de sódio.
Alguns pacientes podem se tornar resistentes aos
diuréticos e isto pode ser devido a insuficiência renal, AINE, progressão
da doença ou não adesão a medicamentos. Descartada estas hipóteses os
pacientes com piora da sintomatologia e ainda resistentes podem se beneficiar
num primeiro momento de diurético EV, caso não responda podem se beneficiar
de uma associação com metolazone e por último o uso de inotrópicos EV.
Foi falado sobre alguns efeitos da aldosterona com
respectivo quandro fisiopatológico. A aldosterona causa retenção de sódio,
que por sua vez leva ao edema. Causa aumento da massa ventricular e fibrose,
que leva a HVE. Causa diminuição nos níveis séricos de potássio,
magnésio, fibrose e diminui níveis de norepinefrina que leva a arritmias.
Pode causar também diminuição da complacência arterial, diminuição da
função barorreceptora e disfunção endotelial que leva ao quadro de
isquemia.
Foi mostrado que no estudo CONSENSUS os pacientes que foram
a óbito apresentaram um nível de aldosterona maior que no grupo que não foi
a óbito.
As causas de aumento de aldosterona são a angiotensina II,
produção por vias diferentes de angiotensina II e renina, eliminação
reduzida, pois no paciente com ICC há uma diminuição no metabolismo
hepático em 40% e extração esplânica em 20%, uso de diuréticos e doses
subótimas de Ieca.
O estudo RALES que randomizou pacientes classe III-IV com
FE<35% em uso de Ieca+diurético de alça com ou sem digital para receberem
espironolactona 25mg ou placebo e tinham como plano inicial de seguimento de 3
anos, com o objetivo primário verificar a mortalidade total. O estudo foi
interrompido em 24 meses devido apresentar uma diminuição na mortalidade
total de 30% e diminuição na hospitalização cardíaca não fatal de 30%.
Apresentou uma melhora da classe funcional. Não foi verificado índices de
hipercalemia significativos.
Finalizou a palestra comentando sobre alguns fármacos que
estão em estudo, entre eles os peptídeos natriuréticos, Nesiritide
utilizado para descompensações e o BNP subcutâneo ( fator natriurético
cerebral) que até o momento só foi testado em animais. Também falou sobre o
vasopeptidase ( omapatrilato) e por último citou os antagonistas da
vasopressina (OPC31260).
- Betabloqueadores
Foi comentado inicialmente que os mecanismos potenciais da
ação dos bloqueadores adrenérgicos, na insuficiência cardíaca crônica
consistem de efeitos direto de proteção do miocárdico em relação as
catecolaminas, diminuição do estímulo de outros sistemas neurohumorais
vasoconstritores, efeitos antiarrítmicos, aumento do fluxo coronário por
vasodilatação coronária, efeito cronotrópico negativo no período
diastólico, aumentando o fluxo sangüíneo subendocárdico, efeito antianginoso/anti-isquêmico,
restabelecimento do reflexo normal de controle cardíaco e circulatório,
prevenção da hipertrofia do miócito, efeito antioxidante e conversão de
ácidos graxos livres para o metabolismo de carboidratos.
Foi demonstrado que níveis aumentados de noradrenalina
apresentam relação direta com a mortalidade e que a piora da classe funcional
na NYHA leva a níveis aumentados de atividade simpática.
Foi comentado sobre o carvedilol, um alfa-betabloqueador de
terceira geração, tendo propriedade vasodilatadora e antioxidante, agindo
basicamente por dois mecanismos: atividade simpaticomimética intrínseca (ASI) b
-2 e o bloqueio a -adrenérgico associado .
Em 1970 foi realizado um pequeno estudo observacional que
verificou que os pacientes com ICC classe III/IV apresentavam uma melhora do
quadro com betabloqueadores e quando eles eram suspensos apresentavam piora do
quadro.
Estudos randomizados têm mostrado que a terapia com
beta-bloqueadores melhora a função ventricular esquerda, sintomas e morbidade
nos pacientes com IC.
O CIBIS (Cardiac Insufficiency Bisoprolol Study), que estudou
o uso de bisoprolol contra placebo em pacientes com fração de ejeção menor
que 40% e classe funcional III ou IV, mostrou melhora clínica com redução no
número de hospitalizações, mas não reduziu a mortalidade com o tratamento O
CIBIS II teve como objetivo primário determinar o impacto do bisoprolol em
todas as causas de mortalidade, mostrando uma redução de 32 %. Avaliou uma
freqüência de morte súbita, que demonstrou diminuição de 25% e número de
hospitalizações por ICC com redução de 35%. Foi comentado que para cada 100
pacientes tratados com carvedilol por 6 meses, é possível evitar 1,8 óbitos
em relação ao grupo placebo.
O estudo PRECISE randomizou 278 pacientes com moderada a
severa IC para receberem carvedilol ou placebo durante 6 meses, mostrando uma
melhora sintomática, aumento na FE e uma diminuição no risco de
morbi-mortalidade, porém pouco efeito na tolerância ao exercício. Este estudo
mostrou um efeito semelhante em pacientes com doença isquêmica ou
cardiomiopatia dilatada. O estudo MOCHA randomizou 345 pacientes para receberem
carvedilol ou placebo por 6 meses, mostrando que, dependente da dose de
carvedilol, há diminuição na mortalidade, aumento na FE e redução de
hospitalização, porém não interferiu na capacidade ao exercício ou na
sintomatologia .
O U.S. Carvedilol sugere que os benefícios do carvedilol na
mortalidade são similares em pacientes com ou sem doença isquêmica, enquanto
o uso de beta-bloqueadores em pacientes com insuficiência cardíaca após
infarto do miocárdio tem se mostrado como um importante benefício.
O estudo BEST estudou o bisoprolol em pacientes classe IV e
foi interrompido precocemente por não mostrar benefícios neste subgrupo de
pacientes
O estudo COPERNICUS foi o primeiro estudo de betabloqueadores
(carvedilol) em pacientes com ICC classe IV, que foi interrompido precocemente
por mostrar uma significativa diminuição na mortalidade comparado ao placebo.
Os dados finais ainda não estão disponíveis e serão publicados em breve.
Foi comentado que o aumento da atividade adrenérgica
aumentada torna-se tóxica ao miocárdio e quando se administra o betabloqueador
o efeito inicial é inotrópico negativo, mas o efeito crônico da droga é o
fator mais importante, mas no inicio da terapia como há um corte de um dos
mecanismos compensatórios, há um risco maior de descompensação, por este
fato deve-se iniciar a terapia lentamente. As respostas hemodinâmicas agudas e
crônicas são diferentes, sendo que o uso crônico melhora o índice cardíaco,
aumenta a PA e diminui a Pressão diastólica de VE, já o efeito agudo diminui
os niveis tensionais e aumenta a pressão diastólica de VE.
No primeiro dia de administração da droga há uma queda na
FE e após 3 meses nota-se um aumento da FE. Os Betabloqueadores são os que
mais aumentam a FE, em torno de 8%, contra 4% do digital e 2% dos Ieca. Também
previnem e reduzem a dilatação de VE.
Em todos os estudos com betabloqueadores houve uma
diminuição na taxa de hospitalização em torno de 30% e quanto maior a dose,
maiores são os benefícios.
Levantou a questão que o efeito não é de classe, pois
estudo em que pacientes que estavam usando metoprolol e Ieca e que não estavam
respondendo adequadamente e trocaram o metoprolol por carvedilo, foi verificada
uma melhora da FE. Com essa base foi criado o estudo COMET para comparar
metoprolol versus carvedilol.
Foi ressaltado que 25% dos pacientes com classe funcional IV
que estão na lista de transplante não toleram a dose máxima de carvedilol.
Ressaltou também a importância da antecipação do início da terapia com
betabloqueadores e não deixar o início quando não há resposta com outros
fármacos.
Falou do estudo SOLVD, mostrando em análise separada que o
grupo de pacientes em uso de betabloqueadores (não era o fármaco em estudo)
apresentou uma melhor evolução do que o grupo com Ieca. No estudo AIRE também
foi verificado que o grupo com betabloqueadores evolui melhor que o grupo com
Ieca