À medida que nos movemos no novo milênio, a centenária técnica de Riva-Rocci Korotkoff para a medição da
pressão arterial vai mudando. Existe um certo número de razões para esta mudança. Em primeiro lugar, o
mercúrio é uma substância tóxica, e o seu uso não pode mais ser sustentado na medicina clínica, estando esta
técnica tradicional, a despeito de uma história de serviços conceituados, próximo de desaparecer da prática
clínica. Em segundo lugar, é reconhecido atualmente que esta técnica antiga foi responsável por bons serviços,
mas marcada por falta de acurácia, estando o surgimento de sistemas automáticos de acurácia comprovada em
vias de substituir a esfigmomanometria por mercúrio. Finalmente, medidas da pressão ambulatorial por 24
horas têm mostrado o fenômeno da hipertensão do jaleco branco, e uma maior confiança tem sido depositada
no comportamento da pressão arterial diária do que na medida causal dos níveis
tensionais.
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Autores
Elias Knobel1(1)
Helena Cristina Mendes Di Benedetto(2)
Marcos Knobel(3)
Álvaro Avezum(4)
(1)Chefe do Centro de Terapia Intensiva/Adultos do Hospital Israelita Albert Einstein; Fellow – American Heart
Association.
(2)Médica Internista formada pelo Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Pós-Graduanda do Programa de Especialização em Medicina Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein;
(3)Médico Intensivista do Centro de Terapia Intensiva/Adultos do Hospital Israelita Albert Einstein.
(4)Coordenador Executivo do Centro Coordenador Brasileiro de Estudos Clínicos – Instituto Dante Pazzanese; Coordenador do Grupo de Suporte de Cardiologia do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Albert
Einstein; Coordenador do Centro de Pesquisa Clínica do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein; Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo.
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O diagnóstico de Scasest pode ser estabelecido em um
contingente muito heterogêneo de pacientes, considerando-
se o espectro de gravidade da doença coronariana
obstrutiva, bem como o grau de comprometimento que
pode ser encontrado em cada indivíduo. Pacientes com uma
ou outra forma de apresentação clínica estão expostos a riscos
diferentes de evoluir com desfechos clínicos de maior ou
menor gravidade. Desta forma, a avaliação de cada paciente
deve ser individualizada no momento do diagnóstico, seguindo-
se a melhor evidência científica disponível.
Probabilidade clínica de
doença arterial coronariana e
avaliação de risco
A avaliação inicial dos quadros de Scasest pressupõe a
análise criteriosa de aspectos relacionados à história, exame
clínico, alterações eletrocardiográficas e positividade de marcadores
séricos de necrose miocárdica. Com estas informações
é possível estabelecer a probabilidade de que o quadro
apresentado seja secundário a doença arterial coronariana,
graduando-se o risco em baixo, intermediário ou alto.


Da mesma forma, uma vez estabelecido o diagnóstico
de Scasest, é possível estimar como baixo, intermediário
ou alto o risco de eventos adversos na sua
evolução, como óbito, isquemia recorrente ou necessidade
de revascularização de urgência, considerandose
a presença ou a ausência dos mesmos fatores.
Fatores relacionados
a eventos
Os dados de anamnese são tidos como possivelmente
os mais esclarecedores quando se avalia a possibilidade
de origem isquêmica em pacientes com dor
torácica aguda. Classicamente, a natureza dos sintomas,
a história prévia conhecida de doença isquêmica
coronariana, a idade avançada, o sexo masculino e a
presença de fatores de risco relacionados têm sido descritos
em estudos amplos como os fatores mais consistentemente
relacionados à doença isquêmica coronariana(
13, 14).
Idade
Na maioria dos estudos que analisaram risco de
eventos em pacientes coronarianos, a idade avançada
foi fator independentemente relacionado a risco de pior
evolução, com ponto de corte a partir dos 70 anos na
maior parte deles. Idosos apresentam doença arterial
coronariana com mais freqüência e com maior gravidade
em relação a indivíduos mais jovens(15, 16), corrigidos
os fatores de confusão, como maior índice de
disfunção ventricular nesta população, por exemplo.
Em uma coorte de 1.046 pacientes portadores de SCA
que foi acompanhada por seis meses no Reino Unido,
indivíduos com mais de 70 anos apresentaram risco
de óbito ou reinfarto três vezes maior quando comparados
a pacientes com menos de 60 anos (p < 0,01)
após análise multivariada(2). Ressalta-se ainda que nesta
população há uma incidência maior de quadros isquêmicos
com apresentação atípica, o que pode, em
última análise, protelar o diagnóstico e a terapêutica
apropriados, possivelmente com alguma implicação de
piora no prognóstico. No mesmo estudo, 61% da
amostra estudada correspondiam a pacientes do sexo
masculino.
Sexo
Quando se analisa o comportamento da doença por
sexo, observa-se alguma discussão na literatura no que se
refere a situações clínicas específicas. Alguns estudos sugerem
evolução pior em mulheres, contrariando a idéia
difundida anteriormente de que sexo masculino conferi-
ria maior risco de eventos nestes pacientes. Em 1999, foi
publicada uma análise de dados obtidos do estudo Gusto
IIb, que abordou esta questão diretamente. Neste estudo,
observaram-se maior incidência de complicações em
mulheres durante hospitalização e maior mortalidade em
30 dias. Entretanto os grupos não eram comparáveis em
relação a outras variáveis de risco, dificultando a interpretação
destes resultados. Após correção para estas variáveis,
a tendência de aumento de mortalidade não foi estatisticamente
significativa em pacientes com Scasest. Nestes
pacientes, a evolução tende a ser mais benigna em mulheres
do que em homens(3).
História
A caracterização dos sintomas constitui aspecto da
mais alta relevância na suspeita clínica de quadros
anginosos. Dor torácica de caráter opressivo ou em peso,
profunda, vagamente localizada, com duração de poucos
minutos, relação com esforço e alívio com repouso
ou administração de nitratos sugere fortemente origem
anginosa, segundo descrito nas Diretrizes para Manejo
de Pacientes com Angina Estável da AHA/ACC(17). Pacientes
com SCA apresentam acentuação dos sintomas,
quer em intensidade, menor esforço requerido para
desencadeá-los ou mesmo em repouso, ou maior freqüência
dos episódios. Alguns pacientes não apresentam dor
torácica, mas sintomas ditos equivalentes anginosos, sendo
dispnéia a apresentação mais comum(1).
Entre os fatores de risco associados à patogênese da
cardiopatia isquêmica, alguns estudos destacam o diabetes
melito e a doença macrovascular extracardíaca como
implicados em aumento de risco de mortalidade e desenvolvimento
de disfunção de VE(18).
Exame físico
O exame físico de pacientes em vigência de SCA visa
a identificar fatores que possam precipitar isquemia aguda,
bem como avaliar a presença de disfunção ventricular
e/ou instabilidade hemodinâmica na chegada do paciente
ao serviço médico, fatores estes que expõem o paciente
a maior risco de eventos e maior mortalidade. A classificação
de Killip tem a finalidade de identificar pacientes
com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio que estejam
sujeitos a estes riscos, a fim de implementar terapêutica
antiisquêmica e antitrombótica mais agressiva e,
assim, reduzir complicações e mortalidade.
Eletrocardiograma
O eletrocardiograma realizado logo após a admissão
do paciente constitui um recurso diagnóstico capaz de fornecer
também informações prognósticas. Dados consistentes
na literatura corroboram a idéia de que lesões
coronarianas graves estão associadas a ECG com infradesnível
de segmento ST igual ou superior a 0,5mV na vigência
de dor torácica, especialmente se esta alteração
eletrocardiográfica apresentar caráter dinâmico(19). Dados
coletados no estudo Paragon corroboram esta afirmação,
uma vez que foi encontrada forte associação entre o grau
de desvio do segmento ST e mortalidade em um ano. Neste
trabalho, pacientes com infradesnível do segmento ST igual
ou superior a 2mV apresentaram risco seis vezes maior de
morte em um ano em relação aos pacientes sem anormalidades
de ST(4). Assim como neste, também em outros estudos
a alteração eletrocardiográfica em questão foi considerada
fator preditor independente de risco de morte.
Outro achado compatível com isquemia em pacientes
com suspeita de SCA é a inversão de ondas T igual ou
maior do que 2mV em duas ou mais derivações contíguas.
Entretanto a valorização de alterações da repolarização
ventricular como decorrentes de isquemia aguda deve ocorrer
na vigência de quadro clínico compatível, uma vez que
inúmeras outras situações podem ser responsáveis por tais
alterações (p. ex., bloqueios de condução intraventricular,
hipertrofia ventricular, taquiarritmias, etc.). Neste sentido,
é interessante a análise de um ECG prévio do paciente,
sempre que disponível(1).
Marcadores séricos de necrose
Miocárdica
Assim como o ECG, também os marcadores séricos
de necrose miocárdica permitem estimar maior risco
de eventos e mortalidade, quando positivos. Entre os
marcadores disponíveis até o momento, vem tendo importância
crescente em estudos clínicos bem delineados
o papel da troponina como marcador independente
de risco em pacientes com SCA sem elevação de
segmento ST. Em uma metanálise publicada recentemente,
foram incluídos sete estudos clínicos e 19 estudos
de coorte, tendo sido avaliados, no total, 5.360
pacientes com medida de troponina T e 6.603 com
medida de troponina I na vigência de Scasest. Foi observado
um aumento entre três e oito vezes no risco
de mortalidade destes pacientes quando comparados
àqueles com troponina negativa(5).
Outros estudos, derivados de grandes ensaios clínicos
que testaram principalmente terapêuticas antitrombóticas
no manejo das SCAs, também confirmam
o papel da troponina como preditor
independente de risco, propondo um provável benefício
em pacientes com troponina positiva, em ter-
mos de redução de eventos e morte, com a utilização
de terapêutica antitrombótica agressiva (6, 7).
Provavelmente, menos sensível do que a troponina,
mas com significado prognóstico semelhante, a CK-MB
(massa, preferencialmente), quando aumentada, também
se associa a risco de eventos isquêmicos aumentado.
Sua detecção no plasma, entretanto, requer maior
quantidade de tecido miocárdico necrótico em relação
à troponina, detectando infartos de maior extensão.
Outros marcadores têm sido estudados como critérios
de estratificação das SCAs nos últimos anos (proteína
C reativa, mioglobina, peptídeo natriurético tipo
B), com sugestão preliminar de benefício de sua utilização
existente na literatura(8, 9, 10, 11). Estudos adicionais
são necessários, entretanto, para que tais propostas possam
ser mais criteriosamente avaliadas antes de sua efetiva
implementação na prática clínica.
Escores de risco
Como discutido previamente, a avaliação do risco
de pacientes portadores de Scasest constitui tarefa que
deve levar em consideração fatores habitualmente
correlacionados entre si. É comum que esta população
apresente características clínicas e comorbidades diversas,
que podem influenciar no risco de evolução individualmente
desfavorável. Para tanto, estudos que utilizam
análise multivariada têm sido conduzidos no sentido de
tentar estabelecer escores de risco para pacientes na vigência
de Scasest, com o intuito de determinar de forma
objetiva o risco de óbito e eventos isquêmicos não-fatais
após a avaliação inicial. Em 2000, foi publicado o Timi
risk score, que tem como objetivo avaliar a probabilidade
de evolução para óbito, infarto (ou reinfarto) e isquemia
recorrente necessitando de revascularização miocárdica
de urgência. O risco global de eventos isquêmicos adversos
na população estudada variou de 5% a 41%. O cálculo
do escore baseia-se na simples análise da existência
de sete variáveis clinicolaboratoriais, que são: idade acima
de 65 anos, mais de três fatores de risco para doença
arterial coronariana, obstruções angiográficas prévias conhecidas,
infradesnível de ST, mais de dois episódios de
angina nas últimas 24 horas, uso de AAS nos últimos
sete dias e marcadores séricos de necrose miocárdica elevados.
A pontuação varia de 0 a 7, e os riscos maiores
correspondem aos escores mais elevados(20).
Diretrizes para avaliação
de risco
A seguir, são propostas as diretrizes para estratificação
de risco precoce das Scasest, segundo recomendações
estabelecidas nas diretrizes para manejo de angina
instável e infarto do miocárdio sem elevação de
ST, publicados em 2002 pela AHA/ACC.
Classe (definições)
Níveis de evidências (definições)
Classe I
Todo paciente com dor ou desconforto torácico deve
ser avaliado para a possibilidade de doença arterial coronariana,
bem como ter quantificada a probabilidade
em baixa, intermediária ou alta (nível de evidência C).
Pacientes que se apresentam com desconforto
torácico devem ser submetidos à estratificação de
risco precoce, avaliando sintomas anginosos, achados
clínicos, eletrocardiograma e marcadores séricos
de necrose miocárdica (nível de evidência B).
Um ECG de 12 derivações deve ser obtido imediatamente
(em até dez minutos) em pacientes em vigência
de dor torácica, e logo que possível em pacientes
com história de dor torácica consistente com SCA mas
cujos sintomas tenham melhorado no momento da
avaliação (nível de evidência C).
Marcadores séricos de necrose miocárdica devem
ser solicitados para todos os pacientes que apresentam
desconforto torácico consistente com SCA. Troponina
é o marcador preferido, e, se disponível, deve ser avaliada
em todos os pacientes. CK-MB massa também é
aceitável. Em pacientes com marcadores negativos nas
primeiras seis horas após o início dos sintomas, uma
outra amostra deve ser coletada no intervalo entre a
sexta e a décima segunda hora dos sintomas (nível de
evidência C).
Classe IIa
Em pacientes que se apresentam com até seis horas
de sintomas, um marcador precoce de necrose
miocárdica (p. ex.: mioglobina ou subformas de CKMB)
deve ser considerado, além da medida da troponina
(nível de evidência C).
Classe IIb
Proteína C reativa (PCR) e outros marcadores de
inflamação devem ser medidos (nível de evidência B).
Classe III
CK total, transaminases (TGO, TGP) e LDH devem
ser os marcadores de necrose miocárdica em pacientes
com desconforto torácico sugestivo de SCA (nível de
evidência C).
Tratamento baseado em evidências
Diante de um paciente com quadro sugestivo de angina
instável ou IAM sem supra ST, devemos inicialmente
tomar medidas gerais visando diminuição do consumo de
oxigênio, proteção miocárdica e monitorização cardíaca.
O tratamento consiste em medidas gerais e tratamento
antiisquêmico e antitrombótico (antiplaquetário e
antitrombínico).
Medidas iniciais
Repouso
Repouso no leito com monitorização cardíaca contínua
por pelo menos 24 horas (classe I - nível de evidência
C).
Oxigenoterapia
Suplementação de oxigênio para manter saturação de
oxigênio sempre superior a 90% (classe I - nível de evidência
C).
Analgesia
Sulfato de morfina endovenosa, com o objetivo de
combater a dor, a ansiedade e a redução da pré-carga em
casos de congestão pulmonar. Apesar de não dispormos
de estudos randomizados direcionados à sua ação nos casos
coronarianos agudos, o seu uso é indicado (classe I -
nível de evidência C).
Tratamento antiisquêmico
Nitratos
O uso de nitroglicerina sublingual ou spray, seguido de
uso endovenoso, constitui indicação classe I com nível de
evidência C no tratamento antiisquêmico das Scasest. Inicia-
se com comprimidos sublinguais de nitratos ou nitroglicerina
(até três) ou através de spray administrado a cada
cinco minutos. Caso a dor não desapareça ou o paciente
seja de alto risco, inicia-se o uso de nitroglicerina endovenosa
na dose de 10mcg/min, titulando-se até o alívio da dor
ou caso a pressão sistólica caia para menos de 110mmHg
em normotensos ou 25% do valor inicial nos hipertensos.
Betabloqueadores
Na ausência de contra-indicações específicas, o uso de
betabloqueadores constitui indicação classe I com nível de
evidência B. Nos pacientes com dor contínua ou de alto
risco, inicia-se o uso endovenoso seguido pela dose via oral.
Costuma-se usar o metoprolol na dose de 5mg repetida a
cada cinco minutos, até completar 15mg . A seguir, podese
manter o uso de metoprolol, propranolol ou outros betabloqueadores
por via oral.
Bloqueadores do canal de cálcio
Apenas o diltiazem e o verapamil apresentam indicação
para uso nas Scasest, nos casos em que o betabloqueador
é claramente contra-indicado. O uso do verapamil e
diltiazem constitui indicação classe I, com nível de evidência
B, na situação descrita acima.
Inibidores da enzima conversora de angiotensina
Possuem indicação classe I com nível de evidência B
nos pacientes que persistem hipertensos mesmo após o uso
de nitroglicerina e betabloqueadores e que apresentam insuficiência
cardíaca, disfunção ventricular ou diabetes. O
seu uso rotineiro para todos os pacientes com Scasest apresenta
indicação classe IIa com nível de evidência B.
Balão intra-aórtico
Nos casos em que o tratamento antiisquêmico já tenha
sido otimizado, caso haja instabilidade hemodinâmica
e antes ou depois de angioplastia coronariana, o seu uso
pode ser indicado (classe IIa - nível de evidência C).
Tratamento antitrombótico
(antiplaquetário e antitrombínico)
Tratamento antiplaquetário
Aspirina
É o fármaco utilizado em cardiologia com maior nível
de evidência e benefício nos pacientes coronarianos.
Não existe estudo comparando diferentes doses de aspirina
nas Scasest, porém informações derivadas de estudos
em prevenção secundária sugerem que a dose recomendada
deve ser entre 160mg e 325mg (indicação classe
I com nível de evidência A ).
Clopidogrel
Fármaco relativamente recente que apresenta benefício
tanto isoladamente em casos de intolerância à aspirina
como também em associação, visando a potencializar os
benefícios para redução de eventos. O estudo Caprie (Clopidogrel
vs aspirina in patients of high risk of ischaemic events)
comparou o uso de 325mg de aspirina com 75mg de clopidogrel
em pacientes após eventos vasculares agudos, demonstrando
que o clopidogrel foi discretamente mais eficaz
que a aspirina. O estudo Cure (Clopidogrel in unstable
angina to prevent recurrent ischaemic events) comparou o
uso de aspirina + placebo vs aspirina + clopidogrel 300mg
seguido de dose diária de 75mg nos pacientes com Scasest.
A associação da aspirina com o clopidogrel resultou em
significativa redução da combinação de eventos morte,
infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, assim
como na incidência de isquemia recorrente e necessidade
de revascularização sem apresentar risco significativo de
eventos hemorrágicos com risco de vida. O estudo PCICure
comprovou que o uso do clopidogrel em até 12 meses
nos pacientes que se submetem a procedimento invasivo
apresentou significativa redução de eventos cardiovasculares
quando em comparação com o grupo que o recebeu
por até quatro semanas. O clopidogrel apresenta indicação
classe I com nível de evidência A nos pacientes com
alergia à aspirina e nos pacientes internados com Scasest
para os quais a angioplastia coronariana é planejada, devendo
ser prolongado até um mês pós-procedimento.
Ticlopidina
Foi utilizada com sucesso na prevenção de acidente
vascular cerebral, infarto do miocárdio e oclusão de stent
pós-angioplastia, porém com efeitos colaterais que limitam
seu benefício.
Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa
Esta classe de drogas inicialmente foi utilizada como
terapia adjuvante em angioplastia coronariana através do
abciximab que foi testada nos estudos Epic, Epilog e Capture,
em que o seu uso concomitante à angioplastia nas
SCA comprovou importante benefício clínico (redução
de mortalidade e infarto do miocárdio) quando comparado
com o grupo placebo (p < 0,001). Já nas Scasest em
que o cateterismo não está planejado, o uso do abciximab
é contra-indicado (classe III) de acordo com os resultados
desfavoráveis obtidos no estudo Gusto IV. Nos casos em
que o cateterismo não é planejado, o tirofibano (Prism e
Prism-Plus) e o epitifibatide (Pursuit) foram testados com
sucesso tanto isoladamente quanto em associação com
heparina não-fracionada. Os eventos clínicos (morte e
infarto do miocárdio) foram reduzidos de maneira significativa
quando em comparação com o grupo placebo. Os
inibidores da glicoproteína IIb/IIIa apresentam indicação
classe I com nível de evidência A nos casos de Scasest quando
se planeja o procedimento invasivo, porém, na vigência
de pacientes de alto risco ou com isquemia refratária
em que a angioplastia não está planejada, o uso de tirofiban
ou epitifibatide apresenta indicação classe IIa com nível de
evidência A. Quando nesta mesma situação o paciente não
é de alto risco ou sem isquemia refratária, a sua indicação
é classe IIb com nível de evidência A.
Tratamento antitrombínico
Heparina não-fracionada
Existem vários estudos randomizados que testaram
o uso de heparina não-fracionada de forma isolada ou
em associação com aspirina. Em metanálise que abordou
três estudos envolvendo associação destas drogas,
houve redução de 56% na combinação de risco de morte
ou infarto do miocárdio. Sugere-se a dose de ataque
com bolus inicial de 60U/kg a 70U/kg com dose máxima
de 5000U, seguida de infusão contínua de 12U/kg/h a
15U/kg/h, de maneira a manter o TTPa em torno de 2,5
vezes o valor normal. Constitui indicação classe I com nível
de evidência A.
Heparina de baixo peso molecular
Estudos iniciais como o FRISC, que analisou o uso
da dalteparina nas Scasest, evidenciaram uma significativa
redução nas taxas de óbito ou infarto do miocárdio
quando em comparação com o grupo placebo. Quando
comparamos com a heparina não-fracionada, ponderamos
o aspecto de que o nível de anticoagulação não pode
ser mensurado, o que dificulta o controle de pacientes
que vão ser submetidos a angioplastia coronariana ou
cirurgia de revascularização do miocárdio. Objetivamente,
a eficácia e segurança dos dois tipos de heparina foram
comparadas através de quatro grandes estudos randomizados.
O FRIC (Fragmin in unstable coronary artery
disease) comparou a dalteparina com a heparina nãofracionada
nos pacientes com Scasest, não apresentando
diferenças significativas entre os dois grupos em relação
a óbito, infarto do miocárdio e recorrência de angina.
Outro estudo, o Essence, comparou a enoxaparina subcutânea
com o tratamento endovenoso padrão. Os eventos
compostos (infarto do miocárdio, morte e angina recorrente)
foram reduzidos em 16% e 19% a favor do
grupo enoxaparina, respectivamente, no 14o e 30o dias
de tratamento. Outro estudo com enoxaparina, o Timi
11B, também apresentou moderado benefício da mesma
quando em comparação com a heparina nãofracionada.
Apesar de estes estudos apresentarem uma
tendência maior a sangramento no grupo da heparina de
baixo peso molecular, o seu uso atualmente é seguro e já
está incorporado à prática clínica atual com indicação
classe I e nível de evidência A da mesma maneira que a
heparina não-fracionada.
Hirudina
Uma metanálise abordando os principais estudos
que ultilizaram a hirudina nas Scasest (Gusto IIB, Timi
9B, Oasis 1, Oasis 2) revelou incidência semelhante
de eventos clínicos após 35 dias de tratamento. A
hirudina nas Scasest está indicada apenas nos casos de
trombocitopenia induzida pela heparina (classe nível
de evidência).
Nota do editor
Trata-se de uma excelente contribuição do dr. Elias Knobel e colaboradores, de experiência e valor reconhecidos. Em especial
vale a pena aqui comentar a valorização da clínica para o diagnóstico das síndromes coronarianas agudas, acompanhada do
eletrocardiograma convencional. Alguns conceitos necessitam, no entanto, de uma discussão mais aprofundada, o que será
feito pelos autores em número subseqüente.
Necessária, por exemplo, uma avaliação crítica dos ensaios Timi IIb e Prism. Neles se usa a palavra provável, o que
certamente é inaceitável como resultado de uma pesquisa científica que deve ser tida como indicativa ou não do uso. Também
o escore de risco precisa ser mais comentado.
O estudo Cure mostra uma redução significativa. O que se chama de significativa? O que é significativo para a prática
médica? Também este estudo analisa a redução de eventos combinados, e não de eventos isolados. O que significa com
sucesso? O que significa benefício moderado? Uma das grandes dificuldades com estes ensaios clínicos é como aplicá-los e o
que eles realmente significam para a prática médica. Estes assuntos, certamente ainda controversos, serão discutidos pelos
autores em números subseqüentes.
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