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    De acordo com as diretrizes nacionais (Diretrizes Brasileiras sobre Aterosclerose) e internacionais (NCEP/ATP III), o principal objetivo para a diminuição do risco cardiovascular é a redução do nível sérico do LDL-c. Devemos, evidentemente, avaliar e estratificar individualmente o risco de cada paciente e, só então, definir qual a meta adequada e qual a intensidade da abordagem terapêutica. Autores

    Andréia Assis Loures-Vale - Mestre em Biologia Molecular pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp; coordenadora do Departamento de Aterosclerose e do Centro de Pesquisa do Hospital Socor, de Belo Horizonte.

    Tânia Leme da Rocha Martinez - Professora Livre-Docente em Medicina pela Unifesp; diretora da Unidade de Dislipidemia do Incor.

              O primeiro passo para se buscar a redução do LDL-c seria a instituição da chamada mudança de estilo de vida. Além da grande dificuldade em se conseguirem modificações realmente significativas, temos ainda grande número de pacientes em que somente esta intervenção não será suficiente para atingir as metas de LDL-c propostas. Portanto, apesar de este ser o modo mais econômico de tratamento, o uso de drogas hipolipemiantes se fará necessário em grande parte da população dislipidêmica.
               Importante salientar que os fármacos serão usados em associação ao tratamento não-farmacológico, e não em sua substituição, e que a administração deste tipo de medicação será precedida por uma avaliação minuciosa de suas indicações (diagnóstico correto da dislipidemia), sendo necessários controles sucessivos para monitorar a resposta e a tolerabilidade.
               Vários medicamentos são amplamente utilizados para diminuir as concentrações plasmáticas de lipoproteínas. Seu mecanismo de ação inclui (Quadro): alterações da síntese lipoprotéica, do metabolismo intravascular das lipoproteínas e da sua depuração.
               Abordaremos neste fascículo os medicamentos mais indicados para a redução do LDL-c: inibidores da HMG-CoA redutase (ou estatinas) e seqüestrantes de ácidos biliares (ou resinas).

    Inibidores da HMG-CoA
    redutase (estatinas)

              As estatinas pertencem à classe de medicamentos redutores de LDL-c mais eficazes e toleráveis, sendo, portanto, as mais utilizadas.
               As estatinas em uso atualmente são: lovastatina, sinvastatina, pravastatina, fluvastatina, atorvastatina e há algumas estatinas mais recentes (rosuvastatina, itavastatina) ainda não-disponíveis para uso.
               Todas atuam diminuindo o nível sérico do LDL-c (maiores detalhes a seguir), possuem inúmeros outros efeitos ditos pleiotrópicos, mas, apesar de pertencerem à mesma classe, apresentam características diferentes entre si; ainda não temos evidências concretas de que estas diferenças traduzam resultados também diferentes na redução de eventos clínicos. Evidentemente, o percentual de redução do LDL-c dependerá da droga e da dose que for utilizada.
               A lovastatina, a sinvastatina e a pravastatina são metabólitos fúngicos ou derivados destes, e a fluvastatina e atorvastatina são totalmente sintéticas. A lovastatina e a sinvastatina são administradas como lactonas inativas; necessitam ser hidrolisadas (o que ocorre dentro dos hepatócitos) para ter atividade farmacológica, podendo, então, serem consideradas pró-medicações. As outras estatinas são administradas na forma ativa.

    Mecanismo de ação/metabolismo

              Os inibidores da HMG-CoA redutase atuam através da inibição da 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A (Figura 1), enzima limitante da síntese do colesterol. A inibição é decorrente do fato de as estatinas conterem, na sua molécula, um componente de estrutura análoga à da HMG-CoA, que possui afinidade com a enzima milhares de vezes superior à do substrato natural, sendo capaz de bloqueá-la competitivamente e de forma parcial, reversível, potente e dependente da dose.
               Um dos resultados essenciais da inibição do colesterol dentro dos hepatócitos (Figura 2) é a diminuição das reservas intracelulares de colesterol, o que desencadeia medidas homeostáticas: estímulo de síntese de mais receptores e aumento de atividade do receptor da LDL na membrana celular, fazendo com que esta lipoproteína seja retirada rapidamente da circulação, trazendo seu conteúdo de colesterol para dentro do hepatócito.
               Além deste efeito, as estatinas também podem reduzir a produção e aumentar a depuração hepática da VLDL, mecanismo que explica a redução de triglicérides que podemos obter com o uso desta classe de drogas. A absorção intestinal (Tabela 1) destes agentes varia de 31% (lovastatina) a mais de 95% (atorvastatina). Todas as estatinas se dirigem para o fígado por extração hepática na primeira passagem (o maior percentual é da sinvastatina: > 79%).
               Estes agentes se ligam às proteínas em grande quantidade (> 95%), exceto pela pravastatina, que apresenta ligação protéica abaixo de 50%. Especula- se que o elevado grau de ligação protéica poderia minimizar o efeito destes agentes em tecidos extra- hepáticos, diminuindo o potencial de efeitos colaterais. A fluvastatina e a pravastatina são hidrofílicas e, portanto, não atravessam a barreira liquórica. A principal via de eliminação das estatinas é o fígado; a excreção renal ocorre apenas com a pravastatina (mesmo assim, a depuração hepática é substancial). A insuficiência renal não provoca aumento dos níveis séricos de pravastatina, bem como não há necessidade de modificação das doses da fluvastatina neste caso; maior cuidado deve ser tomado com o uso da lovastatina em pacientes urêmicos.

Eficácia: efeitos lipídicos (Tabela 2)

              As estatinas diferem na quantidade de redução de LDL-c que pode ser obtida com uma dose máxima. A dose máxima aprovada de atorvastatina (80mg/dia) proporciona uma média de 58% de redução do LDL em pacientes hipercolesterolêmicos. Esta redução é maior que a observada com as doses máximas das outras estatinas e parece estar relacionada à sua maior meia-vida plasmática. Esta distinção entre as várias estatinas torna-se importante apenas quando há necessidade de redução máxima de LDL, já que a maioria dos pacientes necessita de reduções muito inferiores a 60%.
               Devem ser administradas, quando em dose única, preferencialmente à noite.

    Eficácia: objetivos clínicos e aterosclerose

              Na última década têm sido publicados inúmeros ensaios clínicos que confirmam que o tratamento das dislipidemias com fármacos hipolipemiantes é benéfico tanto na prevenção primária quanto na secundária. Tem sido demonstrado um decréscimo significativo da morbimortalidade por acidentes coronarianos, da mortalidade total e da morbimortalidade por acidentes vasculares cerebrais.
               Também tem sido demonstrado que as estatinas, além de seus efeitos sobre as concentrações plasmáticas de lípides, influem sobre uma ampla série de fenômenos - chamados de efeitos pleiotrópicos (como já mencionamos anteriormente): normalizam a função endotelial, melhoram a função vasomotora e a perfusão miocárdica, inibem a proliferação das células musculares lisas, protegem as LDL das modificações oxidativas, reduzem as concentrações de PAI-1, normalizam a agregação plaquetária e das hemácias, modulando a resposta imunológica e antioxidante, além de diminuir a resposta inflamatória.
               Através de muitas destas ações, poderia ser justificada a rapidez pela qual as estatinas modificam as alterações vasomotoras existentes na aterosclerose coronariana, proporcionando um benefício clínico significativo e precoce, que dificilmente seria devido somente à redução do LDL-c. Nos pacientes submetidos a transplante cardíaco, a utilização das estatinas reduz a porcentagem de rejeição e melhora significativamente a sobrevida durante o primeiro ano.

    Ensaios clínicos

              Existem sete grandes estudos clínicos desenvolvidos com estatinas (Tabela 3) que demonstraram, sem sombra de dúvida, que estas drogas são eficazes na redução da mortalidade por DAC (doença aterosclerótica coronariana) e na prevenção de eventos e/ou de complicações.
               São estudos bem divulgados no nosso meio (excetuando- se talvez o HPS, publicado em julho deste ano). Vale a pena fazermos uma análise sobre o que representa o conjunto de informações que eles nos trazem.
               Como já ressaltamos anteriormente, não há dúvidas quanto ao benefício advindo da redução do colesterol; entretanto estamos agora na fase de nos perguntarmos o que deve ser mais interessante do ponto de vista de redução de eventos: a teoria de quanto mais baixo melhor (LDL-c) ou a análise de que reduções percentuais se correlacionam melhor?
               As reduções percentuais no LDL-c variaram de 25% (Afcaps/TexCaps e Lipid) até 35% (4S), enquanto que a redução média de DAC variou de 24% nos estudos Care e Lipid até 34% no 4S; fica claro, portanto, que este tipo de correlação foi mais eficaz do que se avaliarmos por valores basais de CT (colesterol total) ou de LDL-c.
               Assim como nos estudos clínicos, a redução de eventos vista nos estudos angiográficos também nos permite fazer a mesma análise de que a diminuição percentual (%) no LDL-c seria um melhor critério da eficácia terapêutica do que seu valor absoluto (mg/dl).
               Entretanto, por que nossas diretrizes, as americanas e as européias continuam enfatizando um determinado valor de corte de LDL-c como meta no tratamento?
               Quando nos detemos um pouco mais nas análises de subconjunto dos grandes estudos clínicos, temos o combustível para reabastecer essa controvérsia atual, validando as atuais diretrizes que colocam o nível de LDL-c de100-130mg/dl como sendo o ideal: a) no estudo clínico 4S, apesar de a redução no risco relativo ter sido independente do nível basal de LDL-c, foi demonstrada uma redução contínua no risco de DAC até um nível de LDL-c de cerca de 80mg/dl; b) as taxas de evento reduzem, no estudo Care, à medida que reduzimos o nível do LDL-c (174mg/dl até 125mg/dl) (Tabelas 4 e 5); c) finalmente, em dados de estudos epidemiológicos amplamente conhecidos como o MRFIT (Multiple Risk Factor Intervention Trial), Framingham e Procam (Prospective Cardiovascular Munster), vemos que a relação entre os níveis séricos de CT e/ou LDL-c e de DAC é contínua e graduada de maneira curvilínea onde os quintis mais baixos de LDL-c (média de 88mg/dl em mulheres e 95mg/dl em homens) se correlacionam com menor incidência de DAC. Para trazer mais luz a esta questão, devemos aguardar a publicação dos novos estudos que testam a hipótese de que quanto mais reduzirmos o LDL-c mais diminuiremos as taxas de DAC.

    Efeitos adversos

              Em geral, as estatinas são bem toleradas, sendo seus efeitos secundários mais freqüentes cefaléia, flatulência, dispepsia, dores musculares, prurido e exantema cutâneo.

              O exemplo de efeito adverso importante seria a hepatoxicidade manifestada por elevação das transaminases; é dose-dependente, geralmente assintomática e lentamente reversível após interrupção do medicamento. A freqüência deste efeito colateral é de aproximadamente 1% e parece estar relacionada à inibição da HMG-CoA redutase.
               Não há necessidade de interrupção do tratamento com pequenas elevações das transaminases, somente quando temos valores acima de três vezes o valor normal e podemos reiniciar o medicamento, em doses mais baixas, após restauração dos valores normais. Deve-se realizar monitorização laboratorial após seis e 12 semanas do início do tratamento e a cada seis meses, daí em diante.
               Outro fator adverso importante, porém raro, é a miopatia (0,1% - resultados publicados dos diversos estudos clínicos com estatinas): provoca fraqueza extrema, mialgias e elevação da CPK até dez vezes acima de seus limites normais. A associação com ciclosporina, eritromicina, antifúngicos, antibióticos macrolídeos, fibratos (genfibrozil) e ácido nicotínico pode aumentar as probabilidades de miopatia que, excepcionalmente, pode ser complicada por rabdomiólise e necrose tubular aguda.

    Recomendações terapêuticas

              De acordo com as III Diretrizes sobre Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o primeiro passo que devemos dar ao abordar um paciente hipercolesterolêmico será o de estratificar o seu risco para a doença aterosclerótica - não entraremos em detalhes por não ser este o objetivo do nosso artigo.
               Após a estratificação, iremos prescrever o tratamento farmacológico de acordo com a Tabela 6.

    Seqüestrantes de ácidos
    biliares (resinas)

              Estes fármacos são utilizados desde a década de 1960, após a descoberta de que a exclusão ileal, projetada para reduzir a ingestão de colesterol dietético, também reduzia os ácidos biliares.
               A colestiramina e o colestipol são os principais representantes desta classe e, até meados da década de 1980, eram os principais fármacos redutores de colesterol. Com o advento das estatinas e sua incontestável melhor tolerabilidade e maior potencial de redução, estes medicamentos foram sendo substituídos e, hoje, são utilizados em algumas situações especiais e como terapia adjuvante quando a redução de LDL-c não é satisfatória apenas com o uso das estatinas.
               Como são medicamentos de ação no nível intestinal e não-sistêmicos, seus efeitos colaterais são mínimos e, por isso, representam a droga ideal no tratamento de crianças e grávidas hipercolesterolêmicas.
               Tanto a colestiramina (Questran Light®) quanto o colestipol (não-disponível no Brasil) estão disponíveis em pó e devem ser misturados a líquidos antes da ingestão.
               Existe ainda um outro representante dessa classe, aprovado nos Estados Unidos no ano de 2000, ainda não-disponível no nosso país, que é o coleveselan. Representa uma nova formulação de resinas, com melhor tolerabilidade e com bons resultados quando usado em associação com estatinas.

    Mecanismo de ação

              Essas drogas são resinas trocadoras de ânions, e sua administração inicia uma seqüência complexa de eventos que resultam no aumento da atividade do receptor de LDL, resultando em maior depuração na LDL plasmática.
               São polímeros, insolúveis em água, resistentes às enzimas digestivas e capazes de unir-se aos ácidos biliares na luz intestinal. Esta ligação com os ácidos biliares e sua posterior eliminação nas fezes, interrompendo sua circulação entero-hepática (Figura 3), reduzem a absorção de ácido biliar no íleo. O fígado, depletado de bile, já que a excreção fecal pode aumentar de três a 15 vezes, sintetiza uma maior quantidade de reservas hepáticas de colesterol. Como o colesterol é convertido em ácidos biliares em taxas elevadas, sua concentração diminui dentro dos hepatócitos.
               É importante ressaltar que a redução conseguida nos níveis de colesterol sérico com estes fármacos é dependente de seus efeitos na via exógena da hipercolesterolemia.

    Efeitos sobre as lipoproteínas e uso em
    ensaios clínicos

              No Estudo de Prevenção Coronária Primária da Clínica de Pesquisas de Lípides (LRC-CPPT), 3.806 homens foram distribuídos aleatoriamente para tratamento com colestiramina ou placebo. Os participantes do grupo ativo tomaram 12g (três pacotes) duas vezes ao dia, mas a aderência à medicação variou.
               Houve relação linear entre o consumo da colestiramina e a redução do LDL-c, e a diminuição do risco coronariano correspondeu às alterações da dose da medicação e da taxa de redução do LDL-c (Tabela 7).
               A colestiramina exerce seu efeito predominante sobre o LDL-c, podendo apresentar pequenos aumentos no HDL-c (de 2% a 3%), como também pode ocasionar aumento de triglicérides secundário a aumentos da fração VLDL-c. Portanto deverá ser contra- indicada àqueles pacientes que apresentem dislipidemias mistas ou hipertrigliceridemia.
               Além do ensaio clínico descrito anteriormente, as resinas também foram utilizadas em importantes estudos que se baseavam em dados angiográficos, como, por exemplo, no Clas (Ensaio de Redução dos Níveis de Colesterol na Aterosclerose), Fats (Ensaio de Tratamento da Aterosclerose Familial), Harp (Projeto Harvard de Reversibilidade da Aterosclerose) e Stars (Ensaio de Regressão da Aterosclerose de St. Thomas) (Tabela 8).

    Efeitos adversos

              Como não são absorvidas pelo intestino, as resinas não possuem toxicidade sistêmica e são consideradas os hipolipemiantes mais seguros. No entanto provocam freqüentes intolerâncias digestivas (constipação, flatulência ou náuseas) já presentes em doses baixas do medicamento e que têm uma relação de piora com o aumento da dose utilizada.
               Outro ponto que prejudica a adesão do paciente ao tratamento com as resinas diz respeito a sua palatabilidade: relato de boca cheia de areia. Estas drogas deverão ser administradas misturadas a um líquido (geralmente suco de laranja) e iniciadas sempre em pequenas doses (4g = um pacote de colestiramina) com aumentos sucessivos até a dose máxima recomendada de 24g/dia. Os pacientes devem ter os seus níveis de vitaminas solúveis em gordura checados periodicamente e a necessidade de uma reposição deve ser sempre avaliada, principalmente nas crianças.
               Podem apresentar interação medicamentosa com outros agentes igualmente iônicos se administrados simultaneamente; com warfarin, l-tiroxina, hidroclorotiazida e estatinas (de modo geral) essa interferência já está bem documentada e a administração da resina deverá ser feita uma hora antes ou quatro horas depois da tomada dos medicamentos citados.

    Considerações finais: custo/
    efetividade do tratamento da
    hipercolesterolemia

              A avaliação da relação de custo/efetividade do tratamento para reduzir o colesterol depende da população em questão, do risco absoluto para DAC e da redução relativa alcançada. Depende ainda do custo da intervenção e, no caso de drogas, da dose utilizada e do preço unitário.


               Pode ser expressa por diminuições na morbimortalidade e em intervenções, reduções de risco, melhora em índices de qualidade de vida e como aumento no custo por ano de vida salva (sigla YLS).
               Na literatura internacional há um consenso em se considerar a abordagem da prevenção secundária, com o uso de estatina, mandatória e altamente compensatória do ponto de vista de custo/efetividade. Já com relação à prevenção primária, ficamos diante de todas as condicionais já descritas; o risco absoluto do paciente deve ser estabelecido, e em cima do resultado é que poderemos verificar se, do ponto de vista econômico (é bom ressaltar isso) vale a pena tratar.
               Há algumas publicações que colocam que se o risco exceder 1,5% ao ano, já teremos uma relação satisfatória para o uso de estatinas; de acordo com nossas diretrizes, os pacientes classificados como de médio risco estariam nesta categoria.
               Persiste a dúvida quanto àqueles pacientes jovens e portadores de alterações lipídicas (desde que não estejamos diante de uma hipercolesterolemia familiar, que por si só já leva o paciente à categoria de alto risco) sem outro fator de risco importante: trataremos ou não? Nestes casos, irão prevalecer a nossa avaliação e o bom senso.