A aterotrombose é uma doença de caráter sistêmico que compromete a parede os vasos e que exibecaracterísticas distintas nas diversas artérias do corpo humano. Há particular interesse para o cardiologista naanálise das placas no território coronário, em especial daquelas que apresentam tendência à ruptura, poisexistem evidências de que elas estariam associadas a eventos isquêmicos. Tais ateromas habitualmente mostramcapa fibrosa fina (65 a 150 micra), núcleo rico em lípides e não promovem diminuição relevante da luzarterial, contrastando com os ateromas considerados de risco no território carotídeo, que presentam conteúdofibrótico e acentuada redução do lúmen vascular.
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Autores
Carlos Buchpiguel e Ibraim Masciarelli F. Pinto - Médicos do Serviço de Diagnóstico por Imagem (DI) do Hospital do Coração (HCor).
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O uso de técnicas de imagem para o estudo da aterotrombose é revestido de grande interesse, pois elaspodem auxiliar no esclarecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na progressão desta doença, além de fornecer subsídios para o tratamento e o acompanhamento de pacientes comprometidos. Entre os diferentes métodos atualmente disponíveis, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética destacam-se, por permitir a identificação de obstruções graves, a obtenção direta de imagens das placas e a caracterização da sua composição. Além disso, elas podem fornecer informações que se complementam, auxiliando a conduta clínica nestes pacientes.
Ressonância Magnética
A ressonância nuclear magnética é uma técnica de diagnóstico por imagem que se encontra disponível para aplicações cardiológicas desde o final da década de 1980.
Ela não emprega radiação ionizante para a composição das imagens, mas tem como princípio de funcionamento a interação da energia magnética com o núcleo de certos átomos presentes no corpo humano.
As várias partículas (nucleotídeos) que compõem o núcleo do átomo, ao serem expostas a campos magnéticos potentes, adotam movimento circular (spin), com velocidade e direção proporcionais à intensidade da energia à qual se encontram expostas. Uma variedade de núcleos apresenta esta propriedade, mas é o do hidrogênio, devido à sua disponibilidade em tecidos biológicos, bem como ao seu sinal relativamente intenso, que é habitualmente empregado para a composição das imagens de ressonância.
Os spins podem ser estimulados com novos campos eletromagnéticos com freqüência igual àquela dos spins nucleares, que transferirão para estes últimos a sua energia. Ao suspendermos a exposição dos nucleotídeos a estes novos campos eletromagnéticos, eles liberarão a energia acumulada, retornando ao estado de repouso, num processo conhecido como relaxamento. O tempo necessário para que isto ocorra é medido por dois parâmetros, T1 e T2, que são a base da formação das imagens, uma vez que todos os prótons absorvem a energia administrada homogeneamente, mas, dependendo da molécula à qual o hidrogênio está ligado, o tempo de retorno ao repouso mostra diferenças substanciais, conforme pode ser observado na Tabela. Isto confere à ressonância elevada resolução de contraste, ou seja, capacidade de diferençar tecidos de natureza distinta, fato particularmente útil na avaliação de pacientes comprometidos por aterotrombose. Dois tipos básicos de imagem são usados em ressonância cardíaca. As imagens do tipo sangue ausente, nas quais não se observa a presença do sangue, mas que são consideradas ideais para o estudo da anatomia cardíaca e também para a avaliação da parede dos vasos, têm sido empregadas para a avaliação do comprometimento aterosclerótico (Figura 1). Já as aquisições gradienteeco ou de sangue brilhante são sensíveis para revelar tecidos em movimento e, recentemente, beneficiaramse do desenvolvimento de técnicas rápidas que permitem a construção de imagens em tempo quase real. Estas utilizam meio de contraste paramagnético, substâncias metálicas em estado líquido, que não sofrem o efeito do magnetismo e, portanto, manifestam sua presença com intensidade de sinal elevada e com a característica cor branca (Figura 2).
Ressonância Magnética e Detecção de Aterosclerose
A ressonância magnética tem sido apontada como a modalidade diagnóstica de maior potencial para avisibilização e a caracterização incruenta das placas deateroma, lançando mão dos dois tipos de imagens mencionados anteriormente. As aquisições de sangue ausente são úteis para revelar de modo preciso a parede dos vasos, e as técnicas de sangue brilhante servem como auxiliares para a apreciação da capa fibrosa dos ateromas e a integridade das placas, especialmente no território carotídeo.
Este exame tem sido aplicado com freqüência para a identificação de placas de ateroma em diferentes regiões do corpo, de modo especial na aorta e nas artérias carótidas. Na verdade, o território carotídeo foi o primeiro a ser abordado, uma vez que a localização mais superficial destes vasos tornava sua abordagem relativamente mais simples. Diversos estudos foram realizados e validaram este tipo de avaliação, demonstrando que a ressonância apontava de forma adequada a localização de placas e sua composição e gravidade. No nosso serviço realizamos estudo avaliando cem pacientes pela angiorressonância e pela angiografia invasiva e comparamos os resultados destes exames com a análise dos ateromas retirados durante a endarterectomia carotídea. Tanto o exame invasivo como o não-invasivo mostraram o mesmo diâmetro de referência das artérias e documentaram a mesma gravidade das obstruções. Por outro lado, houve excelente correlação entre núcleos lipídicos e de ulcerações (Figura 3).
A avaliação dos ateromas aórticos também tem sido realizada com sucesso pela ressonância magnética. Este exame é empregado rotineiramente para o estudo das doenças aórticas, com excelentes resultados, e mostra-se capaz de identificar hematomas, inflamações e ulcerações na parede do vaso. Sua aplicação em indivíduos assintomáticos, mas que apresentam antecedentes importantes para a incidência de doença aterosclerótica, tem revelado a presença de placas de ateroma promovendo aumento da es-pessura parietal. A presença deste achado tem sido apontada por alguns autores como um fator de risco independente para a ocorrência de fenômenos isquêmicos (Figura 4).
No que se refere ao uso da ressonância como forma de investigação da doença aterotrombótica das artérias coronárias, o exame tem duas aplicações distintas. A angiografia não-invasiva das artérias coronárias tem sido utilizada de forma experimental desde 1993, com o uso de vários protocolos de obtenção de imagens cardíacas. A des-peito deste grande interesse e da intensa pesquisa realizada nesta área, ainda não foi apresentada nenhuma variante de ressonância magnética que tenha resultados equivalentes àqueles da angiografia invasiva. Uma da principais limitações dos resultados conseguidos por este exame reside no fato de que as aquisições para revelar a anatomia coronária são feitas ao longo de vários ciclos cardíacos, o que induz a ocorrência de inúmeros artefatos de movimento. Por outro lado, recente estudo multicêntrico mostrou resultados satisfatórios para a análise dos segmentos proximais (3-5 cm) das artérias coronárias em mais de 109 pacientes. Os autores lograram definir obstruções graves no tronco da coronária esquerda e na porção proximal das três principais artérias em 84% dos casos em que elas encontravam-se presentes. Por outro lado, não foram identificados 18% dos casos de obstrução grave uniarterial, proximal e todos os casos de obstruções no segmento médio e distal, traduzindo as limi-tações que ainda existem com o uso deste exame na prática cardiológica (Figura 5).
A segunda aplicação da ressonância no território coronário é caracterizada pela tentativa de se proceder à obtenção de imagens das placas que comprometam aquelas artérias. No momento, os resultados ainda são limitados pela existência de dificuldades decorrentes dos movimentos cardíacos, da respiração, do tipo de trajeto não-linear das coronárias, além da localização central e do reduzido diâmetro destes vasos. De qualquer modo, já foram obtidas imagens em animais de experimentação e em seres humanos que foram capazes de reproduzir a parede das artérias do coração. Fayad et al. conseguiram encontrar diferenças significativas na espessura da parede de indivíduos sem doença coronária comparados com pacientes portadores de obstrução coronária. Bertini et al., no nosso meio, demonstraram que a ressonância magnética podia evidenciar a presença de remodelamento positivo em pacientes com angina instável, achado este não-relatado nos pacientes com angina estável. Pinto et al. conseguiram documentar a presença de sinal he-terogêneo em pacientes na fase evolutiva do infarto.
Do ponto de vista clínico, a ressonância tem sido utilizada para o acompanhamento não-invasivo de pacientes tratados com redutores de lípides por apresentarem obstruções em vasos extracardíacos. Corti et al. adotaram este exame como forma de controlar pacientes assintomáticos com obstruções de carótidas, e em uso de estatinas. Eles relataram que ao final de 12 meses havia significativa redução do volume da placa, bem como mudanças na estrutura da parede arterial, revelando o potencial deste método diagnóstico para a avaliação seqüencial de portadores de aterotrombose carotídea.
Assim, é possível que progressos tecnológicos adicionais que aumentem ainda mais a resolução espacial, associados a mudanças que possam elevar a resolução temporal da ressonância magnética, permitam a sua utilização nas artérias coronárias com resultados equivalentes aos relatados para os demais segmentos arteriais.
Tomografia Computadorizada
Até 1999, a tomografia mecânica não podia ser con-siderada uma opção para a realização de exames cardía-cos, a despeito de apresentar adequada resolução espacial e relação sinal/ruído, pois não possibilitava a obtenção de imagens com resolução temporal inferior a 800 milissegundos, estando, portanto, sujeita a importantes artefatos provocados pelo movimento cardíaco. Há dois anos, porém, houve nova perspectiva, caracterizada pela introdução da tomografia computadorizada de múltiplos detectores. Este é um sistema helicoidal mecânico, no qual o tubo gerador de raios X está posicionado sobre um braço que gira ao redor do paciente, na velocidade de duas vezes por segundo (500 milissegundos por ciclo).A par disso, a radiação emitida pelo tubo gerador incide sobre quatro fileiras de detectores, situados em posição diametralmente oposta à do gerador. Assim, podem-se compor até oito imagens por segundo, o que dá ao sistema a resolução temporal máxima de 125 milissegundos. Adicionalmente, estes tomógrafos possibilitam a obtenção de cortes muito finos, com espessura menor do que 1mm. A combinação de cortes finos com grande velocidade de aquisição permitiu cogitar o emprego desta ferramenta para estudos cardíacos.
A aplicação clínica deste exame inclui atualmente a investigação de doenças da aorta e da artéria coronária e tem semostrado relevante. A despeito de apresentar menor resolução de contraste do que a ressonância, mostra resolução espacial muito superior, possibilitando a avaliação pormenorizada da parede das estruturas vasculares. Além disso, este exame é muito sensível à presença de cálcio na parede arterial, e este foi exatamente o fator que despertou o interesse de se tentar aplicá-lo para estudar pacientes com doenças cardiovasculares.
A angiotomografia da aorta em equipamentos que utilizam a metodologia de múltiplos detectores é realizada em apenas 45 segundos e possibilita a análise de todo o vaso. Clinicamente, este tipo de exame tem sido utilizado para o diagnóstico de estenoses, aneurismas e dissecções da aorta com grande sucesso. No nosso serviço temos observado que seus resultados nesta área equivalem àqueles da angiorressonância, devendo ser lembrado, porém, que a tomografia mostra limitada capacidade de análise da função ventricular esquerda, ao contrário da ressonância, que é extremamente eficaz neste sentido (Figura 6).
Contudo, é na avaliação não-invasiva das artérias coronárias que este exame tem mostrado enorme potencial. Sua demonstração da anatomia das artérias coronárias é muito superior à da angiorressonância e podem-se visualizar todos os trechos da árvore arterial coronária. Becker et al. obtiveram sucesso na identificação de obstruções coronárias, inclusive na determinação de placas não-calcificadas. Eles ressaltaram o fato de que pelo menos 10% dos pacientes com doença coronária têm obstruções importantes, a despeito de mostrarem ausência de cálcio naquele território. Mais tarde, Achenbach et al. aplicaram o mesmo protocolo e analisaram 25 indivíduos sem estenoses relevantes nas artérias coronárias, pela angiografia invasiva e por meio da tomografia computadorizada de múltiplos detectores, logrando expor 78% dos segmentos coronários sem nenhum artefato. Ao compararem as dimensões arteriais medidas pela tomografia e pela angiografia quantitativa, obtiveram coeficiente de correlação igual a 0,86. Outra investigação do mesmo grupo, estudando 64 pacientes com insuficiência coronária, ainda com o mesmo protocolo, demonstrou sensibilidade de 91% e especificidade de 84% para a detecção de estenoses obstruindo em mais do que 75% a luz arterial. A experiência do grupo alemão foi reproduzida por Nieman et al., que, em 35 casos, identificaram com sucesso 81% das estenoses maiores do que 50%, ao mesmo tempo em que determinaram como normais 97% dos territórios isentos de lesões à cinecoronariografia.
No nosso grupo utilizamos este exame rotineiramente em 2 mil pacientes até setembro de 2002. A tomografia mostrou-se adequada para identificar o grau de calcificação coronária, demonstrar a presença de obstruções graves e oclusões em pontes de safena e em artérias coronárias e, também, para descartar a presença de doença coronária obstrutiva (Figura 7). Todavia, ainda há dificuldades em se avaliar placas de ateroma que promovam estenose moderada da luz arterial, faixa na qual a exatidão do método ainda é limitada.
A maior contribuição que este exame tem dado para a investigação cardiológica é a análise das placas. Embora ainda não seja possível determinar a Figura 6. A tomografia computadorizada por múltiplos detectores da aorta revela a anatomia de todo o vaso em cerca de 45 segundos, possibilitando tanto a caracterização de casos normais (A) como o diagnóstico de aneurismas (B) condição da capa fibrosa por este exame, pode-se diferençar com segurança a presença de cálcio ou de gordura no interior do ateroma, assim como é factível a determinação de remodelamento positivo no local comprometido pela aterotrombose, elemento que sugere fortemente a instabilidade da placa.
Recentemente comparamos, através da angio-tomografia, 30 pacientes com angina instável e 20 pacientes com angina estável. No primeiro grupo avia reduzido grau de depósitos de cálcio no local comprometido, as placas eram fundamentalmente lipídicas e havia remodelamento positivo. Nos pacientes com angina estável, o grau de calcificação era significativamente superior e não havia casos de remodelamento positivo. Este tipo de achado demonstra o potencial que a tomografia apresenta para o estudo não-invasivo das artérias coronárias, em particular para a caracterização das placas (Figura 8).
Perspectivas
Apesar dos resultados satisfatórios relatados pela ressonância e pela tomografia, ambos os exames ainda mostram limitações e vantagens complementares. Em decorrência disto, alguns centros começam a associar
a investigação pelos dois métodos diagnósticos, com o objetivo de obter maior número de informações a respeito da doença aterotrombótica, em
particular no território das artérias coronárias.
A estratégia mais comumente escolhida é a de iniciar
a investigação com o uso da angiotomografia das
artérias coronárias, devido à melhor reprodução
anatômica conseguida com este tipo de estudo. Em
seguida, complementa-se a investigação com a realização
da ressonância magnética sobre o território
comprometido, para melhor avaliar os ateromas encontrados.
Este tipo de avaliação pode fornecer informações
suplementares e úteis tanto do ponto de vista
investigacional como clínico. Porém o custo e o tem-po
de exame ainda são elevados.
Portanto, à medida que progressos tecnológicos
forem incorporados à ressonância e à tomografia, as-sim
como os aspectos de custo e disponibilidade fo-rem
resolvidos, os métodos de diagnóstico por ima-gem
podem transformar-se em instrumentos
fundamentais na avaliação de pacientes portadores
de doença aterotrombótica.