De acordo com as diretrizes nacionais (Diretrizes Brasileiras sobre Aterosclerose) e internacionais (NCEP/ATP III), o principal objetivo para a diminuição do risco cardiovascular é a redução do nível sérico do LDL-c. Devemos, evidentemente, avaliar e estratificar individualmente o risco de cada paciente e, só então, definir qual a meta adequada e qual a intensidade da abordagem terapêutica.

    Autores

    Evandro Tinoco Mesquita - Professor Adjunto de Cardiologia da Universidade Federal Fluminense; Coordenador da Unidade de Emergência e Dor Torácica do Hospital Pró-Cardíaco; Coordenador de Ensino do Centro de Ensino e Pesquisa do Pró-Cardíaco.

    Ari Timmermam - Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Chefe da Seção de Emergência e Terapia Intensiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo.

              A prática emergencial contemporânea é um grande e crescente desafio frente ao aumento de demanda pelos serviços de emergência, sobrecarga de trabalho destes profissionais, carência de formação especializada de recursos humanos e ausência de estratégia gerencial envolvendo uma política de melhoria contínua da qualidade dos cuidados de emergência. O resultado destes fatos é que, no Brasil, o atendimento emergencial é citado pela população como o pior desempenho entre os setores públicos de saúde (Ministério da Saúde/1995). Buscar novos paradigmas é a solução para que se possa criar um novo modelo que contemple efetividade das ações e satisfação das necessidades do paciente (cliente).
              Uma das importantes peculiaridades da medicina de emergência é o seu padrão dicotômico. Situações de risco iminente de vida convivem com condições clinicoambulatoriais comuns. A formação do médico emergencista contemporâneo tem, nesse sentido, se modificado, não bastando apenas experiência no julgamento clínico, mas também capacidade de rápida integração de dados e informações, habilidades psicomotoras na realização de procedimentos invasivos, conhecimentos de epidemiologia clínica (particularmente em relação às características operacionais de testes diagnósticos), espírito de liderança e compromisso com trabalho em equipe. Tais ações objetivam restaurar instabilidades ameaçadoras da vida; neste sentido, algoritmos têm sido difundidos no Brasil pela Sociedade Brasileira de Cardiologia através do curso de ACLS (ACLS/AHA - SBC/Funcor).
              A importância da elaboração de diretrizes pela SBC reside na possibilidade de melhorar a qualidade dos cuidados cardiovasculares liberados aos pacientes no nosso país. Esse trabalho é fruto de meticulosa busca, análise crítica e ordenação das evidências científicas e de reuniões envolvendo especialistas da área. Infelizmente existe uma pequena aplicação destas diretrizes na prática clínica diária, o que resulta num pequeno impacto para os usuários do nosso sistema de saúde. Portanto o desafio contemporâneo da SBC é implantar as diretrizes e monitorar seus resultados no mundo real. Na última década temos procurado chamar a atenção dos emergencistas, cardiologistas e dos médicos generalistas da importância do adequado atendimento do paciente com dor torácica aguda não-traumática na sala de emergência. A introdução dos cursos de ACLS pela SBC/Funcor e do conceito unidade de dor torácica pelo Pró-Cardíaco auxiliaram a conscientização para a importância de mudar o rotineiro atendimento à dor torácica, enfatizando o papel decisivo dos protocolos e norteando a boa prática clínica nas emergências cardiovasculares. Esta nova diretriz da SBC de atendimento à dor torácica na sala de emergência, publicada em setembro de 2002, sob a coordenação do dr. Roberto Bassan, é um importante instrumento para a melhoria da qualidade do atendimento.

    A Dimensão do Problema

              Entre as emergências cardiovasculares a condição mais importante pela sua elevada freqüência é atendimento à dor torácica aguda não-traumática. Estima-se que cinco a oito milhões de indivíduos com dor no peito ou outros sintomas sugestivos de isquemia miocárdica aguda sejam vistos anualmente nas salas de emergência nos Estados Unidos. Este número representa cerca de 5% a 10% de todos os atendimentos emergenciais naquele país. Como a maioria destes pacientes é internada para avaliar-se uma possível síndrome coronariana aguda, isto gera um custo médio estimado de 3 a 6 mil dólares por paciente. Ao final deste processo diagnóstico, cerca de 1,2 milhão de pacientes recebem o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) e outro tanto, de angina instável. Isto resulta num gasto desnecessário de 5 a 8 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos.
              Em outros países, muitos emergencistas internam a maioria dos pacientes que tenham alguma possibilidade de síndrome coronariana aguda. Esta atitude está embasada nos seguintes fatos:
    1) cerca de 15% a 30% destes pacientes com dor torácica na verdade têm IAM ou angina instável;
    2) somente cerca da metade daqueles que tem IAM apresenta as alterações clássicas de supradesnível do segmento ST no ECG de chegada;
    3) menos da metade dos pacientes com IAM sem supradesnível de ST apresenta elevação sérica da creatinoquinase-MB (CK-MB) na admissão.

              Entretanto, nos EUA, cerca de 2% a 3% dos pacientes que realmente estão sofrendo um IAM acabam sendo inapropriadamente liberados da sala de emergência por não ter a sua doença reconhecida ou suspeitada, sendo que esta taxa pode chegar a 11% em alguns hospitais. Isto representa cerca de 40 mil indivíduos com IAM não-reconhecido por ano. Em países nos quais os médicos emergencistas têm menos experiência ou conhecimento no manejo de pacientes com dor torácica, ou que, por razões conjunturais, são menos propensos a interná-los para uma adequada investigação, a taxa de IAM não-reconhecido pode chegar a 20%.
              Além disso, a liberação inapropriada de pacientes com IAM representa um risco para o médico emergencista, visto que cerca de 20% dos valores pagos anualmente nos Estados Unidos por processos de má prática médica emergencial decorrem de litígios resultantes do não-diagnóstico do IAM.
              As unidades de dor torácica (UDT) tiveram o seu início em 1981 através do dr. Raymond Bahr, em Baltimore (EUA). As razões que motivaram esta nova filosofia de atendimento à dor torácica pelo dr. Bahr foram inicialmente humanitárias. Desde então as UDTs têm sido incorporadasa o contexto das SE, atualmente acreditando-se que existam hoje mais de duas mil UDTs nos EUA.
              Em julho de 1995 foi inaugurada, no Hospital Pró-Cardíaco, a primeira unidade de dor torácica 2000 no Brasil. A partir de novembro de 1996 iniciamos a nossa experiência sistematizada com um protocolo padronizado. Desde então surgiram mais de 40 novas UDTs no nosso país, um movimento liderado pela cardiologia brasileira.

    O Diagnóstico da Dor Torácica:
    Avaliando o Paciente

              A variedade e a possível gravidade das condições clínicas que se manifestam com dor torácica fazem com que seja primordial um diagnóstico rápido e preciso das suas causas (Figura 1). Esta diferenciação entre as doenças que oferecem risco de vida (dor torácica com potencial de fatalidade) não é um ponto crítico na tomada de decisão do médico emergencista para definir acerca da liberação ou admissão do paciente ao hospital e de iniciar o tratamento imediatamente.
              Como a síndrome coronariana aguda (infarto agudo do miocárdio e angina instável) representa quase um quinto das causas de dor torácica nas salas de emergência, e por possuir uma significativa morbimortalidade, a abordagem inicial destes pacientes é sempre feita no sentido de confirmar ou afastar este diagnóstico. A característica anginosa da dor torácica tem sido identificada como o dado com maior poder preditivo de doença coronariana aguda.

    O Papel do Eletrocardiograma e do Monitor de Tendência do Segmento ST

              O eletrocardiograma (ECG) exerce papel fundamental na avaliação de pacientes com dor torácica, tanto pelo seu baixo custo e ampla disponibilidade como pela relativa simplicidade de interpretação. Um ECG absolutamente normal é encontrado na maioria dos pacientes que se apresentam com dor torácica na sala de emergência. A incidência de síndrome coronariana aguda nestes pacientes é de cerca de 5%.
              Diversos estudos têm demonstrado que a sensibilidade do ECG de admissão para infarto agudo do miocárdio varia de 45% a 60% quando se utiliza o supradesnível do segmento ST como critério diagnóstico. Isto indica que cerca da metade dos pacientes com infarto agudo do miocárdio não é diagnosticada com um único ECG realizado à admissão.
              Em virtude da natureza dinâmica do processo trombótico coronariano, a obtenção de um único ECG geralmente não é suficiente para se avaliar um paciente no qual há forte suspeita clínica de isquemia aguda do miocárdio. O recente desenvolvimento e a adoção da monitorização contínua da tendência do segmento ST têm sido demonstrados como de valiosa importância na identificação precoce de isquemia de repouso.

    Recomenda-se o seguinte:
    1. todo paciente com dor torácica visto na sala de emergência deve ser submetido imediatamente a um eletrocardiograma (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);
    2. um novo eletrocardiograma deve ser obtido no máximo
    3 horas após o primeiro, mesmo que o eletrocardiograma inicial tenha sido normal, ou a qualquer momento em caso de recorrência da dor torácica ou surgimento de instabilidade clínica (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);


    3. devido à sua baixa sensibilidade para o diagnóstico de síndrome coronariana aguda, o eletrocardiograma nunca deve ser o único exame complementar utilizado para confirmar ou afastar o diagnóstico da doença, necessitando-se de outros testes simultâneos e/ou a seguir (marcadores de necrose miocárdica, monitor do segmento ST, ecocardiograma, testes de estresse) para este fim, assim como para estratificar o risco do paciente (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);
    4. se disponível, o monitor de tendência do segmento ST deve ser utilizado simultaneamente com o eletrocardiograma em pacientes com dor torácica e suspeita clínica de síndrome coronariana aguda (grau de recomendação I, nível de evidência B);
    5. para pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST que tenham recebido terapia de reperfusão coronariana, o monitor do segmento ST poderá ser utilizado para detectar precocemente a ocorrência de recanalização ou do fenômeno de reoclusão coronariana (grau de recomendação IIb, nível de evidência B).

    Papéis Diagnóstico e Prognóstico dos Marcadores de Necrose Miocárdica

              A dosagem seriada dos marcadores de necrose miocárdica tem um papel importante não só no diagnóstico como também no prognóstico da síndrome coronariana aguda, portanto a elevada acurácia e a velocidade do resultado (< 1h) devem ser uma meta de qualidade assistencial em toda UDT.

    Mioglobina:
    Detectando Rapidamente o IAM

              Esta é uma proteína, encontrada tanto no músculo cardíaco como no esquelético, que se eleva precocemente após necrose miocárdica. A mioglobina tem uma sensibilidade diagnóstica para o infarto agudo do miocárdio significativamente maior que a da creatinofos- foquinase-MB (CK-MB) nos pacientes que procuram a sala de emergência com menos de 4h de início dos sintomas. Sua relativamente baixa especificidade (80%), resultante da alta taxa de resultados falsos positivos encontrados em pacientes com trauma muscular, convulsões, cardioversão elétrica ou insuficiência renal crônica, limita o seu uso isoladamente. Entretanto um resultado positivo obtido 3-4h após a chegada ao hospital sugere fortemente o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (valor preditivo positivo = 95%). Da mesma forma, um resultado negativo obtido 3-4h após a chegada torna improvável o diagnóstico de infarto (valor preditivo negativo = 90%).

    Creatinofosfoquinase-MB (CK-MB):
    Um Marcador Tradicional

              A creatinofosfoquinase é uma enzima que catalisa a formação de moléculas de alta energia, sendo por isso encontrada em tecidos que as consomem (músculos cardíaco e esquelético e tecido nervoso).
              A sensibilidade de uma única CK-MB obtida imediatamente na chegada ao hospital em pacientes com dor torácica para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio é baixa (30%-50%). Já a sua utilização dentro das primeiras três horas de admissão aumenta esta sensibilidade para cerca de 80% a 85%, alcançando 100% quando utilizada de forma seriada, a cada 3-4h, desde a admissão até a nona hora (ou 12h após o início da oclusão coronariana).

    Troponinas T e I:
    O Novo Padrão-Ouro

              As troponinas cardíacas são proteínas do complexo miofibrilar encontradas somente no músculo cardíaco. Devido à sua alta sensibilidade, discretas elevações são compatíveis com pequenos (micro) infartos, mesmo em ausência de elevação da CK-MB. Por este motivo tem-se recomendado que as troponinas sejam atualmente consideradas o marcador padrão-ouro para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. Entretanto é preciso frisar que a troponina miocárdica pode ser também liberada em situações clínicas não-isquêmicas que causam necrose do músculo cardíaco, tais como miocardites, sepse, cardioversão elétrica e trauma cardíaco. Além disso, as troponinas podem se elevar em doenças não-cardíacas, como as miosites, a embolia pulmonar, a insuficiência renal e as miocardites.
              A técnica mais apropriada para a dosagem quantitativa das troponinas cardíacas é o imunoensaio enzimático (método Elisa), mas técnicas qualitativas rápidas usadas à beira do leito também têm sido utilizadas com boa acurácia diagnóstica.
              A sensibilidade global das troponinas para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio depende do tipo de pacientes estudados e da sua probabilidade pré-teste de doença, da duração do episódio doloroso e do ponto de corte de anormalidade do nível sérico estipulado, variando de 85% a 99%. Como as troponinas são os marcadores de necrose miocárdica mais lentos para se elevarem após a oclusão coronariana, sua sensibilidade na admissão é muito baixa (20%-40%), aumentando lenta e progressivamente nas próximas 12h.
              Além da sua importância diagnóstica, as troponinas têm sido identificadas como um forte marcador de prognóstico imediato e tardio, definindo estratégias terapêuticas médicas e/ou intervencionistas mais agressivas a serem utilizadas nestes pacientes.

    Recomenda-se o seguinte:
    1. marcadores bioquímicos de necrose miocárdica devem ser mensurados em todos os pacientes com suspeita clínica de síndrome coronariana aguda, obtidos na admissão e repetidos por pelo menos uma vez nas próximas seis a nove horas (grau de recomendação classe I e níveis de evidência B e D). Pacientes com dor torácica e baixa probabilidade de doença podem ter o seu período de investigação dos marcadores séricos reduzido a três horas (grau de recomendação IIa, nível de evidência B);
    2. CK-MB massa e/ou troponinas são os marcadores bioquímicos de escolha para o diagnóstico definitivo de necrose miocárdica nestes pacientes (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);
    3. embora a elevação de apenas um dos marcadores de necrose acima seja suficiente para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, pelo menos dois marcadores devem ser utilizados no processo investigativo: um marcador precoce (com melhor sensibilidade nas primeiras 6h após o início da dor torácica, como é o caso da mioglobina ou da CK-MB) e um marcador definitivo tardio (com alta sensibilidade e especificidade global, a ser medido após 6h, como é o caso da CK-MB ou das troponinas) (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);
    4. idealmente, a CK-MB deve ser determinada pelo método que mede sua massa (e não a atividade), enquanto a troponina deve sê-lo pelo método quantitativo imunoenzimático (e não qualitativo) (grau de recomendação IIa, níveis de evidência B e D);
    5. em pacientes com dor torácica e supradesnível do segmento ST na admissão, a coleta de marcadores de necrose miocárdica é desnecessária para fins de tomada de decisão terapêutica (p. ex., se se vai utilizar fibrinolítico ou não) (grau de recomendação I, nível de evidência B).

    Outros métodos diagnósticos e prognósticos

              Os métodos diagnósticos acessórios que podem estar disponíveis nas salas de emergência para a avaliação de pacientes com dor torácica são o teste ergométrico, a cintilografia miocárdica e o ecocardiograma. Estes testes fornecem importantes informações sobre o diagnóstico - para identificar aqueles pacientes que ainda não têm seu diagnóstico estabelecido na admissão ou que tiveram investigação negativa para necrose e isquemia miocárdica de repouso, mas que podem ter isquemia sob estresse - e o prognóstico.

    Recomenda-se o seguinte:
    1. nos pacientes com dor torácica inicialmente suspeita de etiologia isquêmica que foram avaliados e nos quais já se excluíram as possibilidades de necrose e de isquemia miocárdica de repouso, um teste diagnóstico pré-alta deverá ser realizado para afastar ou confirmar a existência de isquemia miocárdica esforço-induzida (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);
    2. por ser um exame de ampla disponibilidade, fácil execução, seguro e de baixo custo, o teste ergométrico é o método de estresse de escolha para fim diagnóstico e/ou prognóstico em pacientes com dor torácica e com baixa/média probabilidade de doença coronariana (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);
    3. o ecocardiograma de estresse ou a cintilografia de estresse poderão ser realizados em pacientes nos quais o teste ergométrico foi inconclusivo ou quando não se pode realizá-lo (incapacidade motora, distúrbios da condução no ECG, etc.) (grau de recomendação I, níveis de evidência B e D);
    4. a cintilografia miocárdica imediata de repouso poderá ser realizada em pacientes com dor torácica com baixa probabilidade de doença coronariana com o objetivo de identificar ou afastar infarto agudo do miocárdio, sendo que aqueles com teste negativo poderão ser liberados para casa sem necessidade de dosagem seriada de marcadores bioquímicos de necrose miocárdica (grau de recomendação IIa, nível de evidência B).

    Protocolos no Atendimento à Dor Torácica

              O raciocínio médico pode ser realizado através de um método hipotético-dedutivo, probabilístico ou determinístico. Enquanto o método hipotético-dedutivo é o raciocínio tradicionalmente utilizado nas enfermarias e ambulatórios, hoje procura-se difundir o método determinístico nas salas de emergência. O raciocínio determinístico (Gestalt) é definido como a aplicação de regras predeterminadas no processo diagnóstico, podendo ser expresso em fluxogramas e algoritmos. Acredita-mos ser importante esta forma de raciocínio na tomada de decisões em condições emergenciais, pois objetivam e reduzem o tempo das tomadas de decisão.
              Observa-se hoje uma grande quantidade de protocolos, diretrizes, guidelines e consensos publicados por sociedades médicas, órgãos governamentais, hospitais e seguradoras. O impacto na prática clínica do mundo real do uso desses documentos é ainda pequeno. Uma das principais causas para essa baixa aderência é o fato de a população médica alvo não ter participado da discussão para a criação destes protocolos; daí, muitas vezes, a resistência. Portanto elaborar protocolos de dor torácica localmente é o primeiro passo para a adesão ao processo; respeitar características de cada hospital e do seu corpo clínico é um outro ponto crítico.
              Portanto a atuação médica realizada com auxílio de um protocolo, desde que cientificamente embasada e metodologicamente validada, tem se mostrado de grande valor para a tomada de decisão. A liberdade e a criatividade do médico não estão cerceadas com a adoção de protocolos, que podem ser reformulados a qualquer momento pelo corpo clínico que o construiu. O protocolo nos permite padronizar a assistência, auditorar os resultados, otimizar o custo do atendimento e, eventualmente, servir na defesa do profissional. O que deve ser considerado um grave problema no atendimento nas salas de emergência é a utilização de uma prática empírica e com grande variabilidade da qualidade assistencial, que ocorre devido à heterogeneidade da formação dos emergencistas. Um bom protocolo pode auxiliar na redução dessa variabilidade na qualidade de atendimento ao paciente.
              Portanto sistematizações das condutas médicas (protocolos assistenciais), sejam elas diagnósticas ou terapêuticas, quando aplicadas de maneira lógica e coerente, em casos previamente definidos, resultam num poderoso e eficiente instrumento de otimização da qualidade e da relação custo/benefício.
              O modelo diagnóstico do Hospital Pró-Cardíaco usado em sua unidade de dor torácica estratifica a probabilidade pré-teste de síndrome coronariana aguda de acordo com o tipo de dor torácica e o ECG de admissão. A dor é classificada em quatro tipos: definitivamente e provavelmente anginosa, e provavelmente e definitivamente não-anginosa. Além disso, para pacientes com bloqueio de ramo esquerdo no ECG, procura-se avaliar se a dor tem ou não características de infarto agudo do miocárdio. A classificação do tipo de dor teve uma sensibilidade e um valor preditivo negativo para infarto agudo do miocárdio de 94% e 97%, respectivamente, valores estes significativamente melhores que os do ECG (49% e 86%, respectivamente). A associação do tipo de dor torácica e do ECG de admissão permite a estratificação da probabilidade pré-teste de síndrome coronariana aguda e a alocação dos pacientes em diferentes rotas diagnósticas (Figura 2). Enquanto os da rota 1 têm elevadíssima probabilidade de infarto agudo do miocárdio (75%), os da rota 5 têm dor não-cardíaca e são liberados. Os pacientes das rotas 2 e 3 têm probabilidade de síndrome coronariana aguda de 60% e 10%, respectivamente. Estes pacientes são avaliados com dosagens de CK-MB seriadas e de troponina I: na rota 2, por 9 horas; na rota 3, por 3 horas. O teste ergométrico é o método de estresse utilizado para avaliação de pacientes sem evidência de necrose miocárdica ou isquemia de repouso (Figura 3).
              Todos estes protocolos ou modelos diagnósticos e de sistematização estratégica trazem um grande benefício para a prática médica emergencial no manejo de pacientes com dor torácica, devendo por isso ser implantados em todas as salas de emergência, com ou sem unidades de dor torácica (grau de recomendação I, nível de evidência B). A escolha do modelo a ser utilizado dependerá das características funcionais e da experiência da equipe médica de cada instituição.

    Educação e Treinamento do Médico, do Paciente e da Comunidade

              A rapidez da resposta em procurar assistência médica após o início dos sintomas (retardo pré-hospitalar) constitui o principal elemento da demora para o início do tratamento do infarto agudo do miocárdio. Tanto o retardo pré-hospitalar como o intra-hospitalar contribuem importantemente para o fato de que apenas cerca da metade dos pacientes com infarto agudo do miocárdio chegue ao hospital nas primeiras 6 horas do início dos sintomas, que somente cerca de 20%-30% recebam medicamentos fibrinolíticos e que menos de 10% o façam dentro da primeira hora.
              Assim sendo, esta diretriz recomenda que médicos emergencistas e toda a equipe de saúde responsável pelo atendimento de pacientes com dor torácica recebam o programa educativo proposto pelo NHAAP e pelo EHAC (grau de recomendação IIa e nível de evidência D). Estes programas educacionais podem ser estendidos aos pacientes portadores de doença coronariana ou doença aterosclerótica não-coronariana ou àqueles atendidos na sala de emergência por dor torácica (grau de recomendação IIa e nível de evidência D). Para a comunidade em geral, a utilização destes programas ainda não tem demonstração inequívoca de benefício (grau de recomendação IIb e níveis de evidência B e D).





    Unidades de Dor Torácica:
    Normatização da SBC

              As unidades de dor torácica podem estar localizadas dentro ou adjacente à sala de emergência, com uma verdadeira área física e leitos demarcados, ou somente como uma estratégia operacional padronizada, utilizando protocolos assistenciais específicos ou algoritmos sistematizados por parte da equipe dos médicos emergencistas.
              Estas unidades visam a: 1) prover acesso fácil e prioritário ao paciente com dor torácica que procura a sala de emergência; 2) fornecer uma estratégia diagnóstica e terapêutica organizada na sala de emergência, objetivando rapidez, alta qualidade de cuidados, eficiência e contenção de custos. Entretanto é necessário que a equipe de médicos e enfermeiros esteja treinada e habituada com o manejo das urgências e emergências cardiovasculares, dentro dos princípios atuais da boa prática clínica certificados em ACLS/SBC/Funcor.
              Objetivando melhorar o atendimento emergencial, porém reconhecendo as limitações e a heterogeneidade dos recursos técnicos e humanos do nosso país, foram definidos dois modelos de UDTs - o modelo básico e o avançado.

    Pré-requisitos do modelo básico Pessoal

    - Pessoal da recepção treinado para priorizar o atendimento do paciente com dor torácica;
    - equipes médica e de enfermagem treinadas e mantidas com educação continuada no manejo dos pacientes com dor torácica e dedicadas especificamente a estes pacientes.

    Área física e equipamentos

              A existência de área física específica para o atendimento de pacientes com dor torácica fica a critério de cada instituição, pois depende das características próprias.

    - Existência e disponibilidade de um modelo diagnóstico sistematizado de pacientes com dor torácica (protocolo ou fluxograma) (Figura 3);
    - eletrocardiograma com 12 derivações;
    - leito(s) com monitorização eletrocardiográfica contínua;
    - material para reanimação cardiorrespiratória;
    - marcadores séricos de necrose miocárdica: CK-MB e troponina;
    - resultado da dosagem dos marcadores de necrose disponível em até duas horas após a coleta;
    - teste ergométrico no hospital, passível de ser realizado em no máximo 12h após indicação;
    - agilidade para uso de terapias de reperfusão coronariana em pacientes com indicação: trombólise e angioplastia transluminal coronariana.

    Pré-requisitos do modelo avançado Pessoal

    - Treinamento de ACLS para médicos e enfermeiros.

    Área física e equipamentos

    - Oximetria de pulso;
    - eletrocardiograma com 18 derivações;
    - ecocardiograma de repouso no hospital, passível de ser realizado imediatamente após indicação;
    - testes de estresse passíveis de serem realizados em no máximo 12h após indicação: cintilografia ou ecocardiografia.
              Além dos pré-requisitos avançados mencionados, entende-se que as condições abaixo apresentam potencial para melhorar a qualidade assistencial e a eficiência da instituição:
    - existência de médicos plantonistas cardiologistas no atendimento inicial ou como consultores;
    - existência de ficha clínica sistematizada para coleta de dados;
    - disponibilidade de cintilografia miocárdica de repouso com Sestamibi 24h/7d;
    - possibilidade de monitorização de indicadores de qualidade e custo.

    Das características do modelo sistematizado de atendimento

    1. Utilização de um modelo padronizado para diagnóstico e estratificação da probabilidade de síndrome coronariana aguda (pré-requisito básico);
    2. idem para dissecção aguda da aorta e embolia pulmonar (pré-requisito avançado); 3. idem para risco de complicações através do uso de escores e de testes de estresse (pré-requisito básico);
    4. duração da investigação de pacientes com SCA: o pacientes com suspeita clínica forte (média a alta probabilidade): mínimo de 9h de dosagem de marcadores de necrose miocárdica; o paciente com suspeita clínica baixa (baixa probabilidade): mínimo de três horas.

    Dos indicadores de qualidade e custos a serem perseguidos

    1. Agilidade/processo:
    - tempo da chegada à sala de emergência (SE) até o atendimento médico/enfermagem para todos os pacientes com dor torácica (meta = 3-5min);
    - tempo da chegada à SE até a realização do ECG (meta = 10-15min);
    - tempo de cada coleta de marcadores de necrose miocárdica até o resultado (meta = máximo de 2h após a coleta);
    - tempo da chegada à SE até o início de terapia de reperfusão em pacientes com supra-ST (meta = 30min para fibrinolítico, 60min para angioplastia primária).

    2. Manejo:
    - percentual de uso de terapia de reperfusão em pacientes elegíveis (meta = 100%);
    - percentual de prescrição de fármacos antiagregantes plaquetários (meta = 100%);
    - tempo de permanência, em horas, na SE ou no hospital (meta: pacientes com baixa probabilidade = 6-12h; pacientes com alta/média probabilidade mas sem doença = 12-24h);
    - taxa de readmissão hospitalar até 72h pós-alta (meta = 0%).

              As unidades de dor torácica buscam ser um modelo estratégico diagnóstico capaz de promover alta qualidade assistencial ao menor custo possível, ou seja, ser custo-efetiva.
              As unidades de dor torácica devem ser implantadas em todas as salas de emergência dos hospitais, com pré-requisito de treinamento de toda a equipe envolvida (grau de recomendação I, nível de evidência A).

    Desafios e Perspectivas

              A mudança da qualidade assistencial do atendimento à dor torácica na sala de emergência é um dos maiores desafios da prática cardiológica contemporânea, colocando os cardiologistas como os principais pilares pelo seu maior conhecimento e experiência nessa área. Uma importante estratégia foi a elaboração desta diretriz, que somente alcançará seu objetivo se cada cardiologista auxiliar a sua implementação localmente. Acreditamos que é possível termos êxito nesta importante missão de mudar o perfil de atendimento cardiovascular no nosso país através da rede de UDTs e pela disseminação desta importante diretriz.