A trombose arterial participa de vários processos patológicos de grande importância para a prática clínica do cardiologista. Nos últimos anos, um grande número de ensaios clínicos foi realizado para definir o papel de agentes antitrombóticos no manejo da cardiopatia isquêmica. Neste artigo, revisamos criticamente os resultados dos ensaios que tiveram maior impacto para a prática do cardiologista na prevenção primária da cardiopatia isquêmica e no manejo de síndromes isquêmicas agudas e crônicas. Autores

    Marco V. Wainstein - Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professor do Programa de Pós-Graduação em Cardiologia da Faculdade de Medicina da UFRGS; Cardiologista Intervencionista do Serviço de Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Hospital Moinhos de Vento.

    Jorge Pinto Ribeiro - Doutor pela Universidade de Boston; Livre-Docente pela Universidade de São Paulo; Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFRGS; Chefe dos Serviços de Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Hospital Moinhos de Vento.

    Antiplaquetários

    Ácido acetilsalicílico

              Este agente antiplaquetário inibe irreversivelmente a rota da cicloxigenase nas plaquetas, impedindo a síntese de tromboxane A2. Como as plaquetas são incapazes de regenerar a rota da cicloxigenase, o efeito do ácido acetilsalicílico permanece durante toda a vida da plaqueta (média de dez dias). Uma limitação importante do ácido acetilsalicílico é sua seletividade pela cicloxigenase, portanto apresentando pouco efeito soabre as demais vias de ativação plaquetária. As doses antitrombóticas utilizadas nos ensaios clínicos variam de 50mg a 1.200mg por dia, sem nenhuma evidência de diferença na eficácia clínica entre as diversas doses. Porém a dose mais utilizada atualmente é de 200mg por dia.
              O ácido acetilsalicílico tem sido utilizado na prevenção primária de doença cardiovascular. O Physicians Health Study demonstrou uma redução significativa de 44% de infartos do miocárdio não-fatais e uma redução não-significativa de 4% na mortalidade cardiovascular de homens assintomáticos, porém com um discreto aumento do risco de sangramentos. O benefício foi restrito à população acima de 50 anos de idade e atingiu até 87% de redução de eventos em pacientes que apresentavam angina estável. Em outro estudo com delineamento semelhante, realizado com médicos ingleses livres de doença cardiovascular, o uso de ácido acetilsalicílico foi associado com uma redução não-significativa de infartos não-fatais e de mortalidade. O Nurses Health Study avaliou o efeito do ácido acetilsalicílico na prevenção primária de mulheres, prevenindo até 32% de eventos, predominantemente em pacientes acima de 50 anos e com fatores de risco para doença cardiovascular.
              A metanálise do Antiplatelet Trialists Collaboration avaliou o efeito do ácido acetilsalicílico na prevenção secundária em aproximadamente cem mil pacientes. O estudo revelou uma redução de aproximadamente 33% na incidência de infarto não-fatal, acidente vascular cerebral e morte vascular. Nos pacientes livres de doença cardiovascular (prevenção primária), o uso de ácido acetilsalicílico conferiu apenas uma tendência favorável à redução de eventos cardíacos.
              Outra situação clínica em que o ácido acetilsa-licílico está bem estudado é nas síndromes coronarianas agudas. Na angina instável, este antiplaquetário reduziu em até 70% o risco combinado de infarto fatal e não-fatal durante a fase aguda de tratamento. A longo prazo, houve uma redução entre 50% e 60% dos eventos cardiovasculares. No infarto agudo do miocárdio com supradesnível de segmento ST, o estudo ISIS-2 demonstrou uma redução significativa de 23% na mortalidade, associada ao uso de ácido acetilsalicílico. O benefício desta intervenção foi adicional e semelhante em magnitude ao benefício atribuído ao uso de trombolítico.

    Derivados da Tienopidina

              Os antiplaquetários desta classe atualmente disponíveis no mercado são a ticlopidina e o clopidogrel. Ambos os medicamentos inibem a agregação plaquetária induzida por estímulos como colágeno, trombina, fibrinogênio e, fundamentalmente, pelo ADP, através de um mecanismo independente da cicloxigenase. O pico da ação antiplaquetária ocorre somente vários dias após a administração oral. A principal vantagem do clopidogrel em relação à ticlopidina é sua maior tolerabilidade gastrintestinal e menor risco de neutropenia, apresentando, entretanto, um preço mais elevado.
              O estudo Caprie randomizou mais de 19 mil pacientes com infarto do miocárdio recente, doença cerebrovascular ou doença arterial periférica para receberem clopidogrel ou ácido acetilsalicílico. Neste estudo, o clopidogrel resultou em redução significativa do desfecho combinado de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte cardiovascular, o que sugere que, nos pacientes com contra-indicação à aspirina, o clopidogrel possa ser indicado para prevenção secundária. Entretanto são os pacientes submetidos a implante de stents coronarianos que constituem a principal indicação para o uso de ticlopidina ou clopidogrel em associação com ácido acetilsalicílico. Neste contexto, diversos ensaios clínicos demonstraram, de forma inequívoca, a superioridade da combinação de ácido acetilsalicílico com ticlopidina ou clopidogrel em relação à terapia com anticoagulantes orais. O estudo Classics demonstrou que, em termos de eficácia em prevenir eventos trombóticos pós-stent, a ticlopidina e o clopidogrel são equivalentes.
              Recentemente, dois ensaios clínicos randomizados demonstraram que o pré-tratamento com clopidogrel antes do implante do stent pode reduzir significativamente a incidência de eventos isquêmicos. O estudo Creddo, apresentado no Congresso da American Heart Association em 2002, demonstrou ainda que, quando mantido por 12 meses pós-implante do stent, o clopidogrel diminui a ocorrência de eventos isquêmicos quando comparado com o tratamento convencional por 30 dias. Finalmente, o grande ensaio clínico randomizado Cure expandiu a indicação de clopidogrel para as síndromes coronarianas agudas. Neste estudo, o uso de clopidogrel por nove meses foi associado com uma redução de até 22% de eventos cardiovasculares combinados em pacientes que apresentavam síndromes coronarianas agudas, independentemente do critério de gravidade utilizado e mesmo naqueles pacientes que não foram submetidos a implante de stent coronariano.

    Antagonistas dos receptores da glicoproteína IIb/IIIa

              Os receptores da glicoproteína IIb/IIIa são responsáveis pela via final da agregação plaquetária, através de pontes de fibrinogênio. Se, por um lado, os estudos com inibidores IIb/IIIa orais obtiveram resultados frustrantes, a administração intravenosa destes fármacos pode resultar em redução significativa de desfechos isquêmicos. Basicamente, dois grupos de antagonistas dos receptores IIb/IIIa podem ser apontados: anticorpos monoclonais com ação prolongada e irreversível, como o abciximab, e antagonistas competitivos de efeito menos prolongado e eliminação renal, como o tirofibano.
              A principal indicação dos antagonistas dos receptores IIb/IIIa é no tratamento adjuvante de pacientes submetidos a angioplastia coronariana. Embora exista base na literatura para utilização destes fármacos em angioplastias eletivas não-complicadas, o benefício é marcadamente superior nos casos de angioplastias realizadas em síndromes coronarianas agudas, com lesões complexas ou trombóticas. O principal benefício dos inibidores IIb/IIIa é a redução de infartos não-fatais, entretanto o abciximab, numa análise tardia do estudo Epistent, demonstrou redução significativa da mortalidade. Este benefício é mais marcado em pacientes diabéticos submetidos a implante de stent onde pode ocorrer também uma diminuição da necessidade de revascularização futura do vaso alvo. O estudo Target comparou o uso de tirofibano com o de abcixmab em pacientes submetidos a implante de stent, demonstrando superioridade do abciximab em reduzir eventos desfavoráveis nos primeiros seis meses. Após 12 meses de acompanhamento, parece haver uma equivalência entre os dois medicamentos.
              O uso de inibidores dos receptores IIb/IIIa em pacientes portadores de síndromes isquêmicas agudas de alto risco sem elevação do segmento ST que não serão submetidos a tratamento percutâneo é alvo de controvérsia. Nestes pacientes, embora a administração de tirofibano possa resultar em discreta redução do número de infartos não-fatais, a significância clínica é pequena e pode ainda estar associada com aumento do risco de hemorragias. O uso de abciximab definitivamente não está recomendado quando a revascularização percutânea não for planejada, pois, de acordo com o estudo Gusto IV-ACS, não existe benefício neste contexto.
              A indicação de antagonistas dos receptores IIb/IIIa no manejo do infarto agudo do miocárdio é também sujeita a discussão. Dois grandes ensaios clínicos testaram a combinação de trombolítico, na metade de sua dose usual, com abciximab. O estudo Gusto V demonstrou uma discreta redução da taxa de reinfartos sem afetar a mortalidade e à custa de um aumento da incidência de sangramentos. No estudo Assent-3, a combinação de trombolítico e abciximab não foi superior ao esquema de trombolítico e heparina de baixo peso molecular. O uso de antagonistas IIb/IIIa em angioplastia primária foi avaliado no estudo Admiral, que revelou um aumento da taxa de fluxo Timi 3 e melhora da função ventricular nos pacientes que receberam abciximab precocemente. Entretanto o estudo Cadillac demonstrou não haver benefício no uso de abciximab nos pacientes que são submetidos a angioplastia primária com implante de stent coronariano.

    Heparina

              A heparina não-fracionada é um glicosamino-glicano cujo principal efeito anticoagulante decorre de sua alta afinidade pela antitrombina III. A heparina possui uma meia-vida curta, o que sugere a administração contínua e, devido ao seu metabolismo de primeira passagem, exige a infusão parenteral. Em contrapartida, a heparina de baixo peso molecular consiste em uma mistura heterogênea de polissacarídeos com menor ação agonista da antitrombina III, mas uma maior capacidade de inibição do fator Xa. A heparina de baixo peso molecular possui melhor absorção após a injeção subcutânea e, devido a sua meia-vida mais prolongada e farmacocinética mais previsível, requer menor controle laboratorial (Quadro).
              Existem diversas evidências provenientes de ensaios clínicos randomizados demonstrando a importância da heparina não-fracionada no manejo de pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnível de segmento ST. A conclusão destes estudos foi de que a combinação de heparina e ácido acetilsalicílico é superior ao uso isolado dos dois fármacos na redução de desfechos combinados de morte e infarto do miocárdio. Em outro estudo, foi demonstrado que, em pacientes que não recebem aspirina, a suspensão do tratamento com heparina pode resultar em reativação da síndrome isquêmica aguda. Desta forma, o tratamento antitrombótico preconizado nas síndromes isquêmicas agudas sem elevação do segmento ST inclui aspirina, heparina e, mais recentemente, clopidogrel.
              Os estudos Essence e Frisc II compararam o uso de heparina não-fracionada com o de heparina de baixo peso molecular no tratamento de pacientes portadores de síndromes isquêmicas agudas sem elevação do segmento ST. Os resultados demonstraram superioridade da heparina de baixo peso molecular, especialmente nos pacientes de maior risco, em reduzir o desfecho combinado de morte, infarto ou angina recorrente. Conforme as recomendações da American Heart Association, o uso de heparina de baixo peso molecular é considerado de primeira linha no manejo de pacientes portadores de angina instável de moderado a alto risco e infarto do miocárdio sem onda Q.



              O uso de heparina não-fracionada durante a realização de angioplastia coronariana com ou sem implante de stent é mandatório. Os estudos demonstram que manutenção do tempo de coagulação ativada em níveis terapêuticos durante o procedimento reduz a incidência de complicações trombóticas. Entretanto a administração prolongada de heparina pós-procedimento percutâneo não-complicado parece não reduzir as complicações isquêmicas e aumentar significativamente as complicações hemorrágicas. Embora existam alguns trabalhos que avaliaram o uso de heparina de baixo peso molecular em pacientes submetidos a revascularização percutânea, o consenso atual é de que mais evidências são necessárias para que a heparina não-fracionada possa ser substituída pela heparina de baixo peso molecular neste contexto, especialmente quando associada com antagonistas dos receptores 2B3A.
              No infarto agudo do miocárdio, as evidências sugerem que a heparina não-fracionada deve ser usada em associação com trombolíticos do tipo tPA, pois, de acordo com estudos angiográficos, existe um efeito sinérgico entre a heparina e o ativador do plasminogênio tecidual em termos de patência coronariana. Por outro lado, não há benefício na associação rotineira de heparina com estreptoquinase, pois esta associação não reduz a mortalidade e aumenta o risco hemorrágico (Gusto). A heparina não-fracionada é também indicada aos pacientes que não recebem nenhuma forma de terapia trombolítica e aos pacientes com infarto anterior extenso e/ou trombo intra-cavitário para prevenção de eventos tromboembólicos. O estudo Assent 3 demonstrou que a combinação de tenecteplase com heparina de baixo peso molecular é superior ao esquema tradicional com heparina não-fracionada, entretanto o uso de heparina de baixo peso molecular no infarto do miocárdio com elevação do segmento ST requer mais evidências até que possa ser preconizado de rotina.

    Anticoagulantes Orais

              Os anticoagulantes orais inibem a síntese dos fatores de coagulação vitamina K-dependentes, tais como os fatores VII, IX, X, protrombina, proteína C e proteína S. Existe uma grande variabilidade individual no efeito dos anticoagulantes que pode ser influenciada pela dieta, pela raça e pelo uso concomitante de outras medicações. O nível de anticoagulação terapêutica deve ser controlado pelo tempo de protrombina ajustado pelo INR e varia entre 2 e 4.
              A anticoagulação prolongada com heparina seguida de anticoagulantes orais não é rotineiramente prescrita nos cuidados pós-infarto agudo do miocárdio, exceto naqueles pacientes que estão sob risco elevado de tromboembolismo sistêmico ou venoso. Entre estes pacientes encontram-se aqueles que sofreram infartos extensos da parede anterior, presença de trombo intracavitário ou fibrilação atrial. Entretanto pacientes que não toleram aspirina podem se beneficiar do uso de anticoagulante oral para prevenção secundária pós-infarto. O estudo After comparou aspirina e warfarina neste contexto e demonstrou resultados semelhantes para ambos os fármacos, apesar de o anti-coagulante oral estar associado com um aumento do risco hemorrágico. O estudo Waris comparou warfarina contra placebo e encontrou uma redução significativa da taxa de reinfarto associada ao uso de anticoagulante oral. No estudo Waris II, a warfarina foi comparada com aspirina e atingiu benefício significativo com redução de até 20% do desfecho combinado de morte, reinfarto ou acidente vascular cerebral. É interessante observar que, nesse estudo, a combinação de warfarina com aspirina não foi superior à warfarina isolada, o que sugere não haver vantagem na associação destes fármacos.

    Trombolíticos

              A terapia trombolítica pode ser oferecida para todos os pacientes elegíveis que apresentam infarto agudo do miocárdio, independente de idade, sexo ou local do infarto, pois resulta numa redução de até 25% na mortalidade. Apesar de a angioplastia primária ser o método de reperfusão mais eficaz em reduzir a mortalidade no infarto do miocárdio, o uso de trombolíticos possui amplo respaldo na literatura. O maior benefício conferido pela terapia trombolítica encontra-se nas primeiras seis horas após o início dos sintomas, todavia existem evidências de que a administração pode ser estendida até as primeiras 12 horas nos casos de dor e/ou elevação do segmento ST persistentes. Os pacientes que apresentam infarto anterior ou presença de novo bloqueio do ramo esquerdo são aqueles que obtêm maior benefício com trombolíticos. Os pacientes acima de 75 anos apresentam risco aumentado de sangramentos maiores, entretanto, por representarem uma população de alto risco, são aqueles que apresentam maior benefício absoluto com a terapia fibrinolítica.
              Todos os trombolíticos são ativadores do plasminogênio. A estreptoquinase é a opção mais barata, entretanto, além de ser altamente antigênica, quando comparada com agentes como a alteplase, demonstrou ligeira inferioridade na taxa de reperfusão e na redução da mortalidade à custa de uma menor incidência de complicações hemorrágicas. O estudo Gusto I comparou alteplase associada com heparina versus estreptoquinase, demonstrando uma mortalidade de 6,3% no grupo alteplase contra 7,4% nos pacientes que receberam estreptoquinase (Tabela). Outra alternativa aprovada é o duplo bolo de reteplase, que demonstrou equivalência à estreptoquinase no estudo Inject e, apesar de atingir uma maior taxa de reperfusão em relação ao tPA no estudo Rapid II, o benefício na mortalidade foi semelhante de acordo com o estudo Gusto III.

    Considerações Finais

              O estado atual do conhecimento permite algumas recomendações contemporâneas simples sobre o uso de agentes antitrombóticos na cardiopatia isquêmica. O ácido acetilsalicílico pode ser considerado para a prevenção primária de pacientes de alto risco e deve ser utilizado, sempre que possível, em pacientes com doença conhecida. A ticlopidina e o clopidogrel podem ser utilizados em pacientes que não tolerem ácido acetilsalicílico e devem ser associados a este em pacientes que realizam intervenção percutânea com implante de endopróteses. O uso por até um ano de clopidogrel em pacientes que se recuperam de síndromes coronarianas agudas também deve ser considerado. Pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnível de ST de moderado e alto riscos podem beneficiar-se com a heparina de baixo peso molecular. Aqueles que vierem a realizar intervenção percutânea podem também receber antagonistas do receptor IIb/ IIIa. Pacientes que se recuperam de infartos do miocárdio com supradesnível de ST extensos podem ser heparinizados para posterior consideração do uso de anticoagulantes orais. Finalmente, os trombolíticos podem ser utilizados como alternativa satisfatória para o tratamento do infarto agudo do miocárdio com supradesnível de ST quando a angioplastia primária não puder ser oferecida.