As síndromes coronarianas agudas (SCA) caracterizam-se por uma constelação de sinais e sintomas compatíveis com isquemia miocárdica, compreendendo pacientes com infarto do miocárdio (com ou sem supradesnível do segmento ST) e angina instável. Autores

    José Ary Boechat - Membro Titular de Cardiologia e Intervencionista da Sociedade Brasileira de Cardiologia; Cardiologista Intervencionista da Clínica São Vicente e do Hospital CardioTrauma, Rio de Janeiro.

    Hélio Figueira - Diretor Técnico do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital CardioTrauma; Co-Diretor do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista da Clínica São Vicente, Rio de Janeiro.

    Júlio Andréa - Membro Titular de Cardiologia e Intervencionista da Sociedade Brasileira de Cardiologia; Médico do Setor de Hemodinâmica da Clínica São Vicente e do Hospital CardioTrauma.

    Síndromes Coronarianas Agudas Sem Supradesnível do Segmento ST

              As síndromes coronarianas agudas sem supradesnível de segmento ST incluem pacientes com angina instável e infarto do miocárdio sem supra de ST (ISSST).

    Angina Instável

              O evento fisiopatológico primário na angina instável é a redução crítica de fluxo sangüíneo devido a agregação plaquetária transitória, ruptura da placa de aterosclerose com trombose coronariana ou espasmo da artéria coronária. Repetidas rupturas e tromboses da placa de aterosclerose podem aumentar a massa de placa e o percentual de estenose com o passar do tempo, com progressão da doença coronariana. O eletrocardiograma demonstra depressão do segmento ST ou alterações de onda T, e até elevações transitórias do segmento ST.
              A angina instável compreende uma grande variedade de condições clínicas, incluindo angina de início recente, angina progressiva, de repouso, pós-infarto e após procedimento de revascularização.
              A evolução é extremamente variável, podendo evoluir rapidamente para infarto agudo, enquanto outros apresentam resposta imediata à terapia clínica. Apesar das recentes evoluções na terapia médica no tratamento dos pacientes com angina instável, as taxas de infarto e morte permanecem elevadas, sendo, respectivamente, de 8,8% e 4,3% em um ano (Timi III-B) (1).

    Infarto do Miocárdio Sem Supra de ST

              O infarto do miocárdio sem supra do segmento ST existe como um continuum das síndromes coronarianas agudas, em que ocorre uma trombose coronariana comprometendo o fluxo sangüíneo para uma região de miocárdio viável. Caracteriza-se por elevação das enzimas cardíacas, porém sem elevação persistente do segmento ST ou ondas Q patológicas no ECG. A razão do desenvolvimento ou não de ondas Q no ECG após uma oclusão coronariana está relacionada à duração da oclusão e à extensão de músculo viável que é mantida por colaterais durante a oclusão. A angiografia coronariana durante a fase aguda demonstra que a artéria relacionada ao infarto não está ocluída em 60% a 85% dos casos (2-4).
              Segundo dados do Gusto II-B (5) , a mortalidade é menor se comparada à do infarto com Q em 30 dias (3,8% vs. 6,1%), porém a mesma em seis meses e um ano (8,8% vs. 9,6%). Não há diferença no risco de reinfarto em 30 dias (5,5% vs. 6%) e em seis meses (7,4% vs. 7,8%). Entretanto, em comparação com pacientes com angina instável, aqueles com ISSST apresentam maior taxa de reinfarto em seis meses (9,8% vs. 6,2%) e mortalidade em seis meses (8,8% vs. 5%) e em um ano (11% vs. 7%).

    As indicações (6) de angiografia coronariana imediata na angina instável/ISSST são: - choque cardiogênico;
    - disfunção ventricular esquerda severa (mais de 50% de probabilidade de doença multiarterial naqueles com ISSST);
    - angina de peito recorrente ou persistente apesar de terapia médica plena;
    - complicações mecânicas (regurgitação mitral aguda e comunicação interventricular);
    - arritmias instáveis (fibrilação atrial, arritmias ventriculares sustentadas).

    Abordagem Conservadora Versus Invasiva

              Duas estratégias de tratamento são propostas para aqueles sem as indicações de coronariografia descritas acima: uma abordagem invasiva precoce ou uma estratégia conservadora. Ambas são iniciadas com tratamento clínico que consiste em aspirina, heparina venosa, betabloqueadores e nitroglicerina venosa.

    Abordagem conservadora- A terapia médica já descrita é intensificada; a terapia venosa é progressivamente descontinuada, sendo realizados testes provocativos de isquemia. A persistência dos sintomas, a recorrência ou a isquemia nos testes provocativos levam a cateterização imediata seguida de revascularização, se indicada. Aqueles sem isquemia documentada têm alta hospitalar, sendo tratados ambulatorialmente. Esta estratégia tem a vantagem de limitar o uso do cateterismo cardíaco, provavelmente reduzindo a incidência de revascularizações desnecessárias. As principais desvantagens são a internação hospitalar prolongada e o uso de inúmeros testes diagnósticos não-invasivos para doença coronariana.

    Abordagem invasiva precoce- Inicia-se com o mesmo regime de tratamento clínico intensivo. A coronariografia, com subseqüente revascularização, se indicada, é realizada dentro de 4 a 48 horas de admissão (com base nos achados do Tatics 18 e do Rita 3) (7, 8) , após a estabilização do paciente. Tem como vantagens reduzir o período de hospitalização e permitir a estratificação dos pacientes com base na presença (ou não) e na extensão da doença coronariana.
              Em estudos randomizados, procedimentos de revascularização foram realizados em 61%-71% daqueles tratados por abordagem precoce, sendo que em 33%-42% foi feita revascularização cirúrgica por lesão de três vasos ou lesão de tronco da coronária esquerda (Frisc II e Tatics-Timi 18) (9, 7) . Além disso, a angiografia permitiu identificar aqueles com ausência de obstrução coronariana, ou lesões inferiores a 50% (13%-15% do total de pacientes com angina instável). As desvantagens seriam algumas coronariografias desnecessárias e o maior custo inicial.
              Os méritos destas estratégias foram testados em inúmeros Trials randomizados, a maioria incluindo pacientes com angina instável e ISSST (exceto Vanqwish e Vino somente com pacientes com ISSST).
              O trial Timi IIIB (10) foi um estudo randomizado, duplo cego em pacientes com angina instável e ISSST. Foram randomizados 1.473 pacientes dentro de 24 horas do episódio de angina de repouso para abordagem invasiva ou conservadora. Não houve diferença significativa de mortalidade e infarto não-fatal entre as duas terapias em seis semanas (7,5% vs. 8,2%) e em um ano (10,8% vs. 12,2%). O percentual de morte, infarto e teste positivo em seis semanas foi semelhante entre os grupos, exceto para aqueles acima de 65 anos, que tiveram benefício significativo da terapia invasiva (8% vs. 15%). O grupo invasivo apresentou redução da estadia hospitalar (10,2 vs. 10,9 dias), reinternação em seis semanas e em um ano (26% vs. 33%) e quantidade de medicações antianginosas. O benefício do grupo invasivo não foi maior devido ao alto percentual de cross over do grupo conservador para o invasivo em um ano (58%).
              No estudo Frisc II (9) , 2.457 pacientes foram randomizados após 48 horas de internação para abordagem invasiva ou conservadora. A intervenção precoce resultou em marcante redução da mortalidade e infarto do miocárdio em seis meses, quando em comparação com terapia conservadora (9,4% vs. 12,1%, com redução de 62%), principalmente pela redução na taxa de infarto (7,8% vs. 10,1%), sem diferença na mortalidade. Redução também de 50% na freqüência de angina e readmissões no grupo invasivo. Benefícios foram sustentados em um ano, com marcante redução na necessidade de revascularização após a remissão inicial (7,5% vs. 31%) (11) . No grupo conservador houve necessidade de angiografia em 50% dos pacientes em seis meses. O maior benefício da terapia invasiva foi observado nos pacientes de alto risco com depressão de ST e/ou marcadores bioquímicos de necrose miocárdica (9, 12, 13) . Aqueles com ambos os achados quando tratados por estratégia invasiva tiveram significativa redução de mortalidade e infarto em um ano (13,2% vs. 22,1%). Estima-se que, para cada cem pacientes tratados em um ano, a terapia invasiva salvou 1,7 vida, dois infartos não-fatais e 20 admissões, com maior alívio dos sintomas (11).
              O papel da estratégia invasiva em pacientes recebendo tirofibano foi avaliado no estudo Tatics-Timi 18 (7) , que randomizou 2.220 pacientes com angina instável/ISSST para estratégia invasiva ou conservadora. Em seis meses, o end point primário de morte, infarto e reinternação por SCA foi significativamente reduzido com terapia invasiva (16% vs. 19,4%), com redução da mortalidade e de infarto não-fatal (7,3% vs. 9,5%). A redução do end point primário com abordagem invasiva foi verificada naqueles com troponina elevada, alterações do segmento ST e com Timi risk score moderado e alto (ver adiante). Análise econômica desse trial sugere que as vantagens da estratégia invasiva reduzindo a incidência de eventos cardíacos são obtidas com pequeno aumento global nos custos, tendo relação custo/beneficio favorável pela redução de reinfartos a longo prazo.
              O Rita 3 comparou as estratégias conservadora e invasiva em 1.810 pacientes (8) . Redução do end point primário (morte, infarto não-fatal e angina refratária) em quatro meses com estratégia invasiva (9,6% vs. 14,5%), principalmente por redução da ocorrência de angina refratária (definida como episódio de angina com nova alteração isquêmica no ECG). Em um ano não houve diferença entre os grupos com relação a mortalidade e infarto não-fatal (7,3% vs. 8,3%). Menos angina no grupo invasivo, com redução significativa da incidência de infarto em um ano (9,4% vs. 14,1%). A principal característica deste estudo foi a população estudada (pacientes com risco moderado), demonstrando o benefício da terapia invasiva neste subgrupo investigado.
              O Mate comparou angiografia precoce e revascularização com terapia conservadora em uma população diferente, com 201 pacientes com SCA sugestiva de infarto, porém inelegível para trombólise por falta de alterações eletrocardiográficas e/ou contra-indicações para terapia trombolítica (14) . Angiografia precoce foi associada a redução significativa (45%) do end point primário (isquemia recorrente ou morte) de 13% vs. 34%. Os benefícios, entretanto, não se mantiveram no follow-up de 21 meses.
              No trial Vanqwish, 920 pacientes com ISSST foram randomizados para abordagem conservadora ou invasiva (15) . A mortalidade e o infarto hospitalar foram inferiores no grupo conservador (3,3% vs. 7,8%) e no seguimento de um mês (5,7% vs. 10,4%). Uma subanálise demonstrou que as estratégias foram equivalentes, exceto em três grupos nos quais a terapia invasiva teve pior evolução: naqueles que receberam trombolíticos, sem depressão do segmento ST e sem infarto prévio. Estudo criticado pela alta mortalidade cirúrgica dos pacientes do grupo invasivo (11,6%), pelo reduzido percentual de revascularização no grupo invasivo (somente 44%), por não ser aplicável em mulheres e por terapia mais intensiva com drogas no grupo conservador.
              O Vino limitou-se também a pacientes com ISSST (16) , porém foi mais agressivo que o estudo Vanqwish. Cento e trinta e um pacientes foram randomizados para angiografia e revascularização no dia da admissão ou terapia conservadora. Em seis meses houve redução significativa no end point primário (morte ou reinfarto) com intervenção precoce (6% vs. 22%). O benefício ocorreu apesar de 40% dos pacientes do grupo conservador terem sido submetidos a revascularização neste período.

    Estratificação de Risco

              Os grandes estudos mais recentes demonstraram um benefício consistente com estratégia invasiva, com redução da mortalidade ou infarto em grupos de alto e moderado riscos e de angina recorrente ou refratária em todos os grupos. Os pacientes de alto e moderado riscos devem ser identificados, já que se beneficiam de terapia invasiva precoce. Os seguintes achados foram associados a melhor evolução com intervenção:

    - enzimas cardíacas elevadas (Frisc II e Tactics-Timi 18) (9, 7) ;
    - depressão ST no ECG (Frisc II, Tactics-Timi 18 e Timi IIIB) (9, 7, 10);
    - idade acima de 65 anos (Timi IIIB) (10).

              Pequenas elevações de enzimas cardíacas refletem pequenas áreas de infarto, além de estarem associadas a pior prognóstico relacionado a doença subjacente mais grave. Nos estudos Frisc II e Tatics-Timi 18 (9,7), alguma elevação de troponina T esteve associada a alta probabilidade de doença grave de três vasos, placa instável com trombo, microembolização distal e presença de fluxo coronariano reduzido. Estes fatores foram associados a aumento do risco de reinfarto e morte. Aqueles com grandes elevações de troponina tiveram maior chance de oclusão persistente do vaso culpado, disfunção ventricular esquerda e maior mortalidade.
              A definição de depressão de ST é variável entre os diferentes Trials, com eventos cardíacos adversos naqueles com depressão de ST > 0,1mm em uma ou mais de duas derivações em alguns estudos (17) , e > 0,5mm em mais de uma derivação em outros (7, 13, 18).

    Timi Risk Score

              O Timi risk score é baseado em dados dos estudos Timi 11B e Essence (19) , nos quais achados na apresentação hospitalar foram preditores independentes de evolução adversa em pacientes com angina instável e ISSST:

    - idade acima de 65 anos;
    - presença de mais de três fatores de risco para doença coronariana;
    - estenose coronariana prévia > 50%;
    - depressão de ST no ECG de admissão;
    - pelo menos dois episódios de angina nas últimas 24 horas;
    - uso de aspirina nos últimos sete dias;
    - elevação de enzimas cardíacas.



              O Timi risk score está relacionado com a ocorrência de eventos cardíacos (morte, infarto ou isquemia recorrente necessitando de revascularização) em 14 dias, como demonstrado na Tabela.
              Além disso, no estudo Tatics (7) , aqueles com Timi risk score classificados como alto risco tiveram maior probabilidade de doença multiarterial (76%), com grandes áreas isquêmicas, e maior possibilidade de falência da terapia conservadora (cross over de 61% para terapia invasiva).
              Recomendações: o guideline ACC/AHA recomenda terapia invasiva como classe I para aqueles com depressão do segmento ST e elevação de enzimas cardíacas (6) . Pacientes sem fatores de alto risco podem ser tratados com estratégia conservadora ou invasiva. Entretanto dados do estudo Rita 3 (8) , publicado após este guideline, demonstram benefício mesmo naqueles de risco moderado. Em nosso grupo virtualmente todos os pacientes internados com síndrome coronariana sem supradesnível de ST são submetidos a angiografia precoce na ausência de contra-indicação.

    Síndromes Coronarianas Agudas com Supradesnível do Segmento ST:
    Infarto Agudo do Miocárdio

              O infarto agudo do miocárdio (IAM) ocorre por ruptura de uma placa de aterosclerose, com formação de trombo que leva à oclusão da artéria coronária. Inicia-se o processo de necrose miocárdica resultando em graus variáveis de disfunção ventricular, e em muitos casos morte por falência cardíaca ou arritmias fatais. A restauração da patência da artéria infartada é a pedra fundamental do tratamento do infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST.
              A terapia trombolítica foi o maior avanço no tratamento do infarto. Como demonstrado em múltiplos estudos clínicos randomizados, o trombolítico venoso restaura a patência em até 80% das artérias relacionadas ao infarto, preservando o músculo cardíaco e aumentando a sobrevida (20- 24).
              Apesar de a administração precoce desses agentes reduzir a mortalidade no infarto em comparação com terapia médica, os benefícios da terapia trombolítica permanecem limitados por sua eficácia e segurança. Suas principais limitações são:

    - o maior benefício é obtido quando são administrados dentro das primeiras 4 horas de início dos sinto-mas, especialmente nos primeiros 70 minutos (mortalidade sete vezes menor que naqueles tratados com mais de 70 minutos) (25) . Qualquer atraso maior diminui a quantidade de músculo salvo e o benefício funcional;
    - enquanto a patência é restaurada em 80% das artérias, a normalização do fluxo sangüíneo (fluxo Timi 3) é vista somente em 50%-60% dos vasos (21, 26, 27) . O benefício clínico relaciona-se somente com a restauração do fluxo normal (28, 29);
    - após trombólise aparentemente bem-sucedida, isquemia recorrente precoce (geralmente 24-28 horas após) é observada em 20%-30% dos casos, com reoclusão em 5%-15% e reinfarto em 3%-5% (30). O reinfarto está associado a aumento da mortalidade hospitalar e a longo prazo;
    - complicações hemorrágicas com risco de vida ocorrem em 2%-3% dos casos (31, 32, 33) , incluindo hemorragia intracerebral (1% do total e 1,4% no idoso);
    - aproximadamente 30%-40% dos pacientes com infarto do miocárdio, especialmente os idosos, não são candidatos a terapia trombolítica por contra-indicações como sangramento interno ativo, acidente vascular encefálico (AVE) recente ou ipertensão, ou por apresentação tardia;
    - ausência de marcadores eficazes de reperfusão;
    - demora na restauração do fluxo Timi 3 (45-90 minutos);
    - estenose residual significativa após a recanalização.

              A terapia trombolítica não envolve necessariamente angiografia precoce, cujos achados podem mudar o tratamento do infarto. No trial Pami (34) , por exemplo, 10% dos pacientes encaminhados para angiografia foram considerados inapropriados para revascularização percutânea, por lesão não-obstrutiva (lise espontânea do trombo) ou por anatomia desfavorável (lesão de tronco da coronária esquerda ou doença multiarterial grave).
              As dificuldades diagnósticas e as limitações da terapia trombolítica fizeram aumentar o interesse em outras formas de restabelecimento do fluxo coronariano, como a reperfusão mecânica através da angioplastia coronariana. Nessa estratégia o paciente com infarto agudo após admissão e tratamento medicamentoso é transferido para o laboratório de hemodinâmica para realização de angiografia coronariana de urgência. A angiografia permite a confirmação do diagnóstico, a análise da gravidade e da extensão da doença coronariana, a identificação daqueles indicados para realização de intervenção coronariana percutânea (ICP) e a patência do vaso nos pacientes submetidos a terapia trombolítica com suspeita de falência da reperfusão com possibilidade de angioplastia de resgate. No estudo Primary Angioplasty in Myocardial Infarction-2 (Pami 2) (35) , a angiografia permitiu ainda a identificação de pacientes de alto e baixo riscos que teriam menor mortalidade (dez vezes) e poderiam ter alta mais precocemente.
              A angioplastia no infarto pode ser realizada em diferentes intervalos de tempo e por diferentes razões, sendo classificada em:

    - primária (direta): ICP sem terapia trombolítica prévia;
    - facilitada: trombolítico e/ou inibidor de glicoproteína IIb/IIIa seguido de angioplastia rotineiramente;
    - resgate (salvamento): ICP após falha da trombólise;
    - imediata: ICP imediatamente após trombólise com sucesso;
    - tardia: ICP um a sete dias após trombólise.

    Angioplastia Primária

              Angioplastia primária ou direta é aquela realizada na fase aguda do infarto sem o uso prévio de trombolíticos.

    Estudos não-randomizados

              A primeira série de angioplastia primária foi descrita por Hartzler em 1983 (36) . Demonstrou sucesso de 86%, com 6% de taxa de reoclusão e ausência de mortalidade em 41 pacientes consecutivos. Importante ressaltar que, em subgrupo de baixo risco, na apresentação pelos critérios Timi-II (idade < 76 anos, elevação de ST, estabilidade hemodinâmica e dor torácica com menos de 4 horas de duração), a mortalidade hospitalar foi de somente 1,8%. A sobrevida em um ano foi de 95% neste grupo (37).
              Vários outros pequenos estudos foram publicados na década de 1980 relatando taxas de sucesso de 83%-95%, com aceitável mortalidade hospitalar (6,8%-9,3%) (38-46).
              A maior comparação não-randomizada foi a do segundo registro nacional de infartos dos EUA, que revisou dados de 4.939 pacientes submetidos a angioplastia e 24.705 submetidos a trombólise com t-PA (47) . A mortalidade foi menor nos pacientes com choque cardiogênico tratados por angioplastia (32% vs. 52% com t-PA), mas a mesma para aqueles elegíveis para trombolítico sem choque (5,2% vs. 5,4%) e para outros subgrupos analisados de acordo com sexo, idade e localização do infarto. Os benefícios da angioplastia foram mantidos a longo prazo com mortalidade de 9,3% ,11,2% e 12,6% no primeiro, segundo e terceiro anos subseqüentes.

    Trials multicêntricos randomizados

              Os achados dos estudos não-randomizados e a experiência de centros isolados levaram aos Trials comparando diretamente os agentes trombolíticos com angioplastia primária.
              No estudo PAMI, foram randomizados 395 pacientes com infarto dentro de 12 horas do início dos sintomas para angioplastia primária ou 100mg de trombolítico venoso (t-PA) (48) . Critérios de exclusão foram alto risco de sangramento e choque cardiogênico. Sucesso na ICP em 97% (estenose < 50% após procedimento com fluxo Timi 2-3), com revascularização em 99% daqueles encaminhados para cateterismo cardíaco. Os benefícios da angioplastia primária foram:

    - redução da duração do desconforto precordial;
    - redução da incidência de isquemia recorrente intra-hospitalar, reinfarto e teste positivo pré-alta;
    - redução da mortalidade hospitalar (2,6% vs. 6,5%) e redução da incidência de morte ou infarto não-fatal em seis meses. Pacientes de alto risco tiveram maior benefício (idade > 70 anos, infarto de parede anterior e freqüência cardíaca > 100bpm na admissão).

              Superioridade da angioplastia foi mantida por dois anos, com menos isquemia recorrente (36,4% vs. 48%), menores taxas de reintervenção (27,2% vs. 46,5%), redução da necessidade de readmissão (58,5% vs. 69%) e redução dos end points combinados de morte e reinfarto (15% vs. 23%) (49).
              Uma série de Trials randomizados holandeses confirmou os benefícios da angioplastia primária comparada com agentes trombolíticos (50) , com ênfase nos seguintes achados:

    - angioplastia primária foi associada a maior incidência de patência da artéria relacionada ao infarto no follow-up angiográfico (91% vs. 68%);
    - benefício inclusive nos infartos não-anteriores, com redução significativa do end point primário em seis meses (morte, AVE ou reinfarto) de 4% vs. 20%, devido principalmente à redução da incidência de reinfarto (0% vs. 16%). Não houve diferença na fração de ejeção do VE em seis meses entre os dois grupos;
    - benefício de redução da mortalidade mantido em cinco anos (13% vs. 24%) associado a redução de reinfartos não-fatais (6% vs. 22%) (51).

              No Mayo Clinic Study, foram randomizados 108 pacientes com infarto para angioplastia ou t-PA (52) . O end point primário desse estudo foi a quantidade de músculo salvo avaliada por cardiologia nuclear. Não houve diferença significativa entre os grupos em ter-mos de salvamento miocárdico, fração de ejeção pré-alta ou infarto recorrente ou óbito em seis meses.
              No Gusto IIb, foram randomizados 1.138 pacientes com infarto para angioplastia ou trombolítico (r-tPA) (53), com benefícios similares aos descritos anteriormente. O end point primário (morte, reinfarto não-fatal e AVE) foi menos freqüente no grupo da angioplastia (9,6% vs. 13,7%; p = 0,033), com maior percentual de hemorragia intracraniana com r-tPA (0% vs. 1,4%). No grupo da angioplastia a mortalidade em 30 dias foi relacionada ao fluxo ao final do procedimento, sendo de 21,4% com fluxo Timi 0 e 1,6% com Timi 3 (p < 0,001). Em seis meses não houve diferença significativa entre os end points combinados (13,3% vs. 15,7%).
              Revisão de dez Trials randomizados (54) envolvendo 2.606 pacientes randomizados para angioplastia primária ou trombólise, encontrou os seguintes benefícios da angioplastia:

    - redução da mortalidade em 30 dias (4,4% vs. 6,5%; p = 0,02);
    - redução de morte ou reinfarto não-fatal (7,2% vs. 11,9%; p < 0,001);
    - redução do total de acidentes vasculares (0,7% vs. 2%) e AVE hemorrágico (0,1% vs. 1,1%). Metanálise de 23 Trials randomizados (7.739 pacientes) publicada recentemente demonstrou que (55):

    - angioplastia primária reduziu a mortalidade hospitalar (7% vs. 9%), reinfarto não-fatal (3 vs. 7%) e AVE (1% vs. 2%);
    - a evolução a longo prazo foi melhor do que com trombolítico, independente do tipo de agente utilizado e de se o paciente foi transferido ou não para angioplastia primária.

    stent no infarto agudo do miocárdio

              Apesar de a angioplastia no infarto resultar em melhor evolução quando comparada com agentes trombolíticos, ela não é isenta de problemas. Sua eficácia no infarto agudo e em outras situações é limitada pelo risco de reoclusão precoce e reestenose tardia. Além disso, outros problemas são retração elástica do vaso, lesão endotelial com ativação plaquetária e revascularização do vaso tratado em aproximadamente 20% dos casos. Vários estudos multicêntricos demonstraram que os stents são efetivos na prevenção da oclusão coronariana abrupta, além de reduzirem a reestenose angiográfica (56, 57) . Porém quase todos os estudos iniciais de stents intracoronarianos excluíam pacientes com infarto agudo do miocárdio devido à percepção de que o implante de um dispositivo metálico dentro de uma massa de trombo poderia aumentar o risco de trombose do mesmo. Com a melhora do design dos stents e do regime antiplaquetário pós-intervenção, os riscos de trombose subaguda foram reduzidos.
              Os primeiros Trials não-randomizados sugeriam que os stents utilizados em situações de emergência, como insucesso na angioplastia de balão ou tratamento de dissecção coronariana, eram superiores à angioplastia convencional, resultando em maior percentual de reperfusão, redução da oclusão subaguda, menor lesão residual e redução da taxa de reestenose (58-60) . Apesar de serem estudos com limitações, como serem retrospectivos e com pequenas amostras, eles demonstraram uma elevada taxa de sucesso angiográfico e clínico, com baixa incidência de complicações.
              Trials randomizados foram realizados para comparar essas técnicas no infarto agudo. O maior deles foi o stent Pami (61) , com 900 pacientes com infarto randomizados para angioplastia primária ou implante de stent Palmaz-Schatz recoberto com heparina. O sucesso angiográfico foi elevado em ambos os grupos, porém o diâmetro luminal foi maior com stent. Outros achados foram:

    - end point combinado (morte, infarto recorrente, AVE ou revascularização guiada por isquemia) em 30 dias foi similar entre os grupos (4,2% vs. 5,4%), mas com redução da taxa da revascularização da lesão alvo com stent (0,6% vs. 2,5%);
    - em seis meses o grupo do stent apresentava um diâmetro luminal mínimo maior e significativa redução de angina (11% vs. 17%), redução da reestenose angiográfica (20% vs. 34%) e end points combinados (13% vs. 20%), primariamente devido à redução da necessidade de reintervenção. A mortalidade, entretanto, foi semelhante entre os grupos (62).

              Achados semelhantes foram vistos em estudo holandês com 227 pacientes. stents foram associados aos seguintes benefícios em seis meses: redução de reinfartos (1% vs. 7%), redução de revascularização da lesão alvo (4% vs. 17%) e maior sobrevida livre de eventos cardíacos (80% vs. 95%) (63).
              No estudo Cadillac o stent foi associado a menor reestenose angiográfica (22% vs. 41%) e reoclusão da artéria relacionada ao infarto (5,7% vs. 11%), independente do uso ou não de abciximab (64).
              Evolução a longo prazo demonstra que o maior benefício do stent na fase aguda do infarto é a redução da reestenose, com diminuição da revascularização da lesão alvo.
              Houve achados similares na metanálise de nove estudos randomizados envolvendo 4.120 pacientes que foram tratados por stent ou angioplastia primária. stent foi associado a significativa redução da necessidade de revascularização da lesão alvo nos 12 meses de follow-up; em comparação não houve diferença no end point de reinfarto ou mortalidade (66).           Recomendações: o guideline ACC/AHA ressalta a eficiência do stent na redução da reestenose e da necessidade de revascularização do vaso alvo em comparação com angioplastia convencional. Entretanto a mortalidade não foi alterada, podendo ser maior em alguns pacientes. Logo, permanece incerto se o stent deve ser utilizado somente para tratar resultado subótimo ou deve ser recomendado como terapia primária.

    stent direto

              stent direto, sem pré-dilatação, reduz o tempo de procedimento, exposição a radiação e custos. Em pacientes com infarto, o implante direto de stent pode reduzir a embolização de constituintes plaquetários, reduzindo a incidência de no-reflow, aumentando a perfusão miocárdica e salvando o músculo cardíaco.
              A eficácia desta técnica foi avaliada em trial randomizado de 206 pacientes com infarto agudo submetidos a stent primário com ou sem pré-dilatação (69). Apesar da freqüência de fluxo Timi 3 ser a mesma, o end point angiográfico combinado (no-reflow e slow-flow) foi menor com stent direto (12% vs. 27%), com resolução mais freqüente do segmento ST (80% vs. 62%).
              Dados semelhantes foram obtidos com estudo observacional de 423 pacientes com infarto agudo (70). stent direto foi associado a menor incidência de no-reflow (5,5% vs. 12% com pré-dilatação) e menor mortalidade em 30 dias (1% vs. 8%).

    Tempo de reperfusão na angioplastia primária

              Como na trombólise, o tempo de reperfusão é importante, e existe uma relação entre o tempo de isquemia antes da angioplastia primária e a evolução hospitalar (71-73) . A compreensão desta relação é importante porque ela afeta a decisão sobre possível transferência para um centro com ICP.
              Apesar da maior demora em implementar a angioplastia primária do que para administrar trombolítico, somente 50%-60% dos tratados com agentes trombolíticos alcançam fluxo Timi 3 (21, 26, 27), em comparação com aproximadamente 80% com angioplastia primária.
              O maior estudo foi o NRMI-2, com 27.080 pacientes tratados com angioplastia primária em 661 hospitais comunitários e terciários (71). A mortalidade intra-hospitalar não foi afetada pelo tempo de sintoma e início da ICP. Este achado surpreendente pode ser devido em parte à exclusão de pacientes que faleceram antes da internação, que seria o período com maior risco de morte. Em contraste, o tempo de chegada ao hospital e o início da ICP (porta-balão) foram preditores de mortalidade intra-hospitalar.
              Uma série consecutiva de 1.352 pacientes publicada por Brodie (72) demonstrou redução da mortalidade hospitalar naqueles com tempo porta-balão abaixo de duas horas (4,3% vs. 9,2 % com reperfusão acima de duas horas). Houve relação também com a mortalidade em 30 dias (de 9,1% para menos de duas horas e 16,3% para acima de duas horas).
              Achados semelhantes foram encontrados no Gusto-IIb (53) , com redução da mortalidade em 30 dias naqueles com tempo porta-balão reduzido (1% abaixo de 60 minutos vs. 6,4% com mais de 90 minutos).
              Os únicos dados controlados são do trial stent Pami (73) . Em contraste com as observações acima, o tempo de reperfusão após apresentação no hospital (< 2h, 2-< 4h, 4-< 6h e > 6 h) não afetou a mortalidade em 30 dias e em seis meses. Entretanto havia maior aumento na fração de ejeção em seis meses naqueles submetidos a reperfusão em menos de duas horas, sugerindo maior salvamento miocárdico.

    Transferência para angioplastia primária

              A relação entre o retardo na ICP e a evolução é de particular importância, já que muitos pacientes são atendidos inicialmente em hospitais comunitários que não têm facilidades para ICP primária.
              Dados do NRMI-2 (71) indicam que nos Estados Unidos o tempo médio de realização de ICP entre pacientes transferidos é de mais de 3 horas. Somente 5% dos transferidos realizam ICP dentro de 90 minutos, como preconiza o guideline do ACC/AHA (74), em comparação com 30-40% dos admitidos em centros com ICP. Segundo Lien et al., a demora na transferência para realização de angioplastia primária pode determinar um infarto de tamanho maior e menor fração de ejeção em seis meses, porém a mortalidade (em seis meses) não é aumentada (75).
              Estudos randomizados compararam transferência para ICP.
              O trial Danami-2 (67) incluiu 1.572 pacientes randomizados para t-PA no centro de apresentação (com transferência, se necessário) ou angioplastia primária com stent. estudo foi descontinuado precocemente devido à redução significativa do end point primário (morte, reinfarto ou AVE em 30 dias) com stent primário (8% vs. 13,7%). O benefício, que foi primariamente devido à redução da incidência de reinfarto, foi similar em pacientes que necessitaram de transferência para ICP.
              O estudo AIR-Pami (76) incluiu 138 pacientes de alto risco (idade > 70; classe Killip II ou III; freqüência cardíaca acima de 100bpm ou pressão sistólica < 100mmHg). Pacientes vistos em hospitais sem ICP foram randomizados para trombólise ou transferência para ICP (34% utilizaram stent):

    - o tempo para chegada para tratamento foi maior no grupo transferido (155 vs. 51 minutos), devido ao tempo necessário para início da transferência e transporte;
    - em 30 dias os pacientes transferidos apresentavam menos isquemia (13% vs. 32%) e tendência a favor de menos eventos cardíacos adversos.

              Pacientes admitidos em hospitais comunitários da República Tcheca foram randomizados para trombolítico ou transferidos para ICP nos estudos Prague 1 e 2 (77) . Metanálise dos dois Trials (1.050 pacientes) demonstrou mortalidade semelhante em 30 dias naqueles tratados com delta T inferior a 3 horas (8% com trombolítico vs. 7,6% com ICP); porém naqueles com delta T entre 3 e 12 horas a mortalidade foi reduzida significativamente com ICP (5,4% vs. 16,5%). A mortalidade global em 30 dias foi menor com ICP (6,6% vs. 10,8%), além dos end points combinados de morte, reinfarto e AVE (8,3% vs. 16,7%). Autores preconizam transferência para ICP na presença de uma das variáveis abaixo:

    - delta T entre 3-12 horas;
    - contra-indicação para trombolíticos;
    - possibilidade de ICP com tempo porta-balão inferior a 90 minutos.

    Angioplastia tardia

              Terapia trombolítica administrada mais de 12 horas após o início do infarto agudo não melhora a evolução clínica, possivelmente por não restaurar a patência arterial. Em contraste com a trombólise, a ICP acima de 12 horas pode ter algum benefício, influenciando a evolução por mecanismos outros que não o salvamento miocárdico. A restauração tardia da patência parece reduzir a expansão do infarto, o remodelamento ventricular e o desenvolvimento de arritmias ventriculares. O estudo inicialmente utilizado para esta avaliação randomizou 83 pacientes com infarto de parede anterior para ICP ou não-ICP mais de 24 horas após o início dos sintomas (78). A função ventricular esquerda e a contração segmentar foram similares entre os dois grupos, mas os índices de volume sistólico e diastólico foram menores naqueles submetidos a ICP. Em cinco anos aqueles submetidos a ICP tiveram redução significativa nos end points combinados de morte, infarto não-fatal ou insuficiência cardíaca (9% vs. 49%) mas sem diferença na mortalidade cardíaca. A prevenção da dilatação ventricular foi o provável mecanismo do benefício.
              Dados do NRMI-2 (79) reforçam essa teoria, com 7.358 pacientes admitidos com mais de 12 horas de início dos sintomas. Aqueles submetidos a angioplastia (22%) tiveram redução significativa de isquemia recorrente ou angina, reinfarto e mortalidade hospitalar (3,4% vs. 6,6%). Houve significativa redução de isquemia recorrente (10,8% vs. 14,6%), com forte tendência a redução da mortalidade hospitalar.
              Estes dados sugerem benefício a curto e longo prazos, com reperfusão tardia com ICP, porém maiores estudos randomizados necessitam ser realizados para confirmar estes achados.

    Angioplastia facilitada

              Angioplastia facilitada é aquela realizada rotineiramente após administração de trombolítico e/ou inibidor de glicoproteína IIb/IIIa.
              Vários Trials da década de 1980 (Timi II e Swift) compararam os resultados de ICP imediatamente após trombolítico venoso com ICP realizada entre 18 horas e 20 dias (81-83) . Apesar dos designs diferentes, os resultados foram semelhantes: não havia benefício da ICP precoce após trombolítico, em relação à taxa de reoclusão ou função ventricular esquerda. Havia, entretanto, uma alta incidência de complicações hospitalares e mortalidade no grupo da angioplastia.
              Um assunto à parte é se baixa dose de trombolítico ou inibidor de glicoproteína administrado imediatamente antes da ICP pode ser benéfica. Esta possibilidade se baseia na observação dos estudos Pami de angioplastia primária, nos quais 16% dos pacientes tinham fluxo Timi 3 antes da ICP (84) ; comparados com aqueles sem fluxo Timi 3, foram observados os seguintes benefícios: evidência de maior salvamento miocárdico clínico e angiográfico, menor possibilidade de desenvolver falência cardíaca e melhor sobrevida precoce e tardia (em seis meses, mortalidade de 0,5% vs. 2,8% e 4,4% com fluxo Timi e/ou 0/1 respectivamente). Observaram-se achados similares nos estudos observacionais dos Trials Timi (85).
              A possível eficácia de trombólise antes da ICP foi avaliada no trial Pact (86) , em que 606 pacientes com infarto agudo foram randomizados para bolos de t-PA (50mg) ou placebo imediatamente antes da angiografia. Se o fluxo Timi 3 estava presente na angiografia inicial, um segundo bolo de t-PA era administrado, enquanto ICP era realizada se houvesse fluxo Timi 0, 1 ou 2. O end point primário desse trial foi a fração de ejeção do ventrículo esquerdo na hora da alta. Os achados foram os seguintes:

    - a incidência de fluxo Timi 3 na angiografia inicial foi maior com t-PA do que com placebo (33% vs. 15%), mas não havia influência no fluxo final pós-ICP;
    - não houve diferença na ocorrência de eventos cardíacos adversos, incluindo isquemia recorrente, reinfarto, reoclusão, necessidade de revascularização de emergência, hemorragia maior, AVE, ou mortalidade em 30 dias. Entretanto a fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi significativamente maior naqueles com fluxo Timi 3 na angiografia inicial ou quando produzida por angioplastia dentro de 1 hora após o bolo.

              O estudo Prague (87) foi realizado com cem pacientes que receberam dose plena de estreptoquinase em hospital comunitário e foram transferidos para ICP sem trombolítico ou submetidos a trombólise sem intervenção. Houve maior incidência de complicações com abordagem combinada (trombolítico mais ICP), sem benefícios clínicos. Provavelmente o uso de fibrinolíticos com efeito sistêmico prolongado (plasminemia) e/ou administrados em doses plenas não seja um esquema favorável para angioplastia facilitada.
              No estudo não-randomizado Speed (88) (estudo piloto Gusto-IV), de 323 pacientes que realizaram ICP planejada (média de 63 minutos) após receberem associação de reteplase e/ou abciximab e 162 pacientes sem ICP precoce, 47% daqueles que receberam as duas drogas tiveram fluxo Timi 3 antes da intervenção. Foi obtido sucesso no procedimento em 88%, sendo que 78% receberam stent. Em 30 dias não houve diferença de mortalidade. Entretanto a incidência de reinfarto (1,2% vs. 4,9%), revascularização de urgência (0,6% vs. 4,9%) e necessidade de transfusão (9% vs. 16%) foi menor naqueles submetidos a ICP precoce, em comparação com aqueles não-submetidos a ICP. Porém o resultado final do estudo Gusto IV foi desapontador, sem demonstrar benefício da combinação das drogas em comparação com o uso de dose plena de trombolítico.
              No trial Admiral (89) foram randomizados 300 pacientes com infarto para abciximab ou placebo antes da ICP (geralmente com stent). Em 25% dos casos a droga foi administrada antes da chegada ao hospital, com maior incidência de fluxo Timi 3 se comparada com placebo (17% vs. 5%). Terapia com abciximab foi associada a redução significativa do end point primário (morte, reinfarto ou revascularização de urgência) em 30 dias (6% vs. 14,6% para o grupo placebo) e seis em meses (7,4% vs. 15,9%). Este benefício foi possivelmente devido à maior freqüência de fluxo Timi 3 imediatamente após o procedimento (95% vs. 87%) e em seis meses (94% vs. 83%) com uso de abciximab. Apesar de o estudo indicar que o abciximab restaura fluxo Timi 3 com maior freqüência que placebo, a taxa de recanalização é muito inferior à obtida com doses reduzidas de trombolíticos.
              No momento, pré-tratamento com trombolítico é utilizado quando a ICP primária pode demorar muito a ser realizada por problemas locais logísticos ou transferência entre hospitais (91) . Há vários estudos de angioplastia facilitada (Finesse, Advance MI, Assent 4 PCI, Caress in Ami, Tiger) em andamento com esquemas diferentes de reperfusão (TNK-t-PA, r-PA, abciximab, eptifibatide, enoxaparina), podendo no futuro demonstrar o verdadeiro valor da trombólise seguida de ICP.
              O guideline ACC/AHA, de 2001 (90) , orienta que a angiografia de rotina e ICP após trombólise e/ou o uso de inibidores de glicoproteínas não são úteis e podem ser prejudiciais; em comparação, angiografia e revascularização com ICP ou CABG é recomendada a pacientes com evidência de isquemia recorrente ou em evolução (angioplastia de resgate) e àqueles com falência cardíaca, instabilidade hemodinâmica ou choque cardiogênico.

    Angioplastia de resgate

              Angioplastia de resgate ou salvamento é aquela realizada após a administração do agente trombolítico sem sucesso. A trombólise química está associada à variável taxa de reperfusão (55%-85%), dependendo do agente utilizado, da dose e do tempo de tratamento. A falência da reperfusão, com manutenção de fluxo Timi 0-1, está relacionada a aumento da mortalidade. Narevisão de quatro Trials multicêntricos alemães, somente o fluxo Timi 3 está associado a benefício na sobrevida (2,7%); a mortalidade é semelhante naqueles com fluxo Timi 2 e Timi 0/1 (6,6% e 7,1%, respectivamente) (92) . Achados similares foram verificados em outros trabalhos, onde a restauração do fluxo Timi 3 foi associada à melhora da função ventricular (93-95).
              Mesmo após trombólise aparentemente bem-sucedida por critérios clínicos (não-angiográficos), isquemia recorrente espontânea é observada em 20%-30% dos casos, reoclusão em 5%-15% e reinfarto em 3%-5% (93, 94, 96, 97) . Em estudo de quase 56 mil pacientes, reinfarto ocorreu em média 3,8 dias após a terapia trombolítica, e não foi relacionado ao tipo de trombolítico utilizado (98) . O reinfarto está associado a aumento da morbidade e da mortalidade hospitalar e a longo prazo. No estudo Tami a mortalidade hospitalar foi significativamente maior naqueles com reoclusão da artéria relacionada ao infarto (11% vs. 4%) (99).
              Entretanto o diagnóstico de reperfusão é algumas vezes difícil devido à baixa sensibilidade dos métodos não-invasivos. Salvamento miocárdico é improvável se a falência da trombólise não for detectada e corrigida dentro de 3 a 6 horas do início dos sintomas.
              As opções terapêuticas para reoclusão coronariana pós-trombolítico são:

    - retratamento com trombolítico;
    - agentes inibidores da trombina e antiplaquetários;
    - angiografia coronariana seguida de angioplastia de resgate.

              Existem vários estudos não-randomizados e somente um trial randomizado que avaliaram o papel da angioplastia de resgate. A maioria dos estudos foi feita naqueles com fluxo Timi 0 ou 1 após trombólise.

    Trials não-randomizados

              Trials não-randomizados demonstraram taxas de sucesso de 71%-100% (média de 80%), resultados geralmente inferiores àqueles obtidos com angioplastia primária (100-107).
              Análise inicial dos Trials não-randomizados demonstrou elevada mortalidade global (10,6%), ausência de benefício na função ventricular e maior taxa de reoclusão naqueles submetidos a uso de t-PA em comparação com estreptoquinase.
              Um achado em comum de todos os estudos iniciais foi a mortalidade elevada naqueles submetidos a angioplastia de resgate sem sucesso, com índices de 33% no Timi 2A e no Timi 4 (107, 108) e 39% no Tami (99). A explicação parece ter sido a seleção inapropriada de pacientes de alto risco.

    Trials randomizados

              O estudo Rescue (109, 110) comparou tratamento clínico e angioplastia de resgate 8 horas após infarto de parede anterior em 151 pacientes submetidos a trombólise sem sucesso (fluxo Timi 0/1). A taxa de sucesso foi de 92%, com melhora da função ventricular esquerda durante exercício (43% vs. 38%). Houve redução do end point combinado de morte e classes funcionais III-IV (6,4% vs. 16,6%), apesar de a mortalidade permanecer inalterada (5% vs. 10%), resultado que se manteve após um ano.
              A angioplastia de resgate foi também avaliada no subestudo angiográfico do Gusto 1 (111) , onde 198 pacientes foram tratados por angioplastia de resgate e 266 com tratamento clínico após falha da trombólise. Houve abertura do vaso em 88,4%, com fluxo Timi 3 em 68%. Apesar do sucesso, não houve diferença na fração de ejeção e na mortalidade em 30 dias, com mortalidade de 30,4% naqueles com insucesso da angioplastia.
              Metanálise (112) de nove Trials com 1.456 pacientes e quatro registros com 977 pacientes encontrou os seguintes benefícios da angioplastia de resgate:

    - redução da incidência de insuficiência cardíaca severa precoce (3,8% vs. 11,7% com terapia conservadora);
    - aumento da sobrevida em um ano naqueles com moderados a grandes infartos (92% vs. 87%).

              Recomendações: é necessário que a angioplastia de resgate seja realizada rapidamente após falha da trombólise (persistência da dor: 45-60 minutos após o término do trombolítico). Aqueles com ameaça de oclusão e comprometimento hemodinâmico devem ser encaminhados para cateterização imediata e contrapulsação intra-aórtica.
              O guideline ACC/AHA (90) recomenda angioplastia de resgate para aqueles com evidências objetivas de isquemia recorrente ou reinfarto após uso de trombolítico.

    Angioplastia empírica

              Angioplastia empírica é aquela realizada após o uso de trombolíticos, com o objetivo de prevenir isquemia, na ausência de comprometimento hemodinâmico ou isquemia documentada.

    Angioplastia imediata

              O uso de trombolítico visando à rápida abertura da artéria relacionada ao infarto, seguida de angioplastia para tratar a lesão residual, prevenindo a reoclusão e a ocorrência de novos eventos isquêmicos, poderia melhorar a evolução do paciente com IAM. Trials randomizados da era pré-stent (Tami-1, ECSG, Timi 2-A) (113-115) demonstraram que a angioplastia convencional imediata não preservou o músculo cardíaco e não reduziu reinfarto e morte quando comparada com conduta conservadora, de intervenção, naqueles com isquemia induzida ou espontânea. Ao contrário, a angioplastia esteve associada a aumento da necessidade de transfusões, necessidade de cirurgia de emergência, tendência a maior mortalidade e sem diferença na fração de ejeção.

    Angioplastia tardia

              Angioplastia tardia é aquela realizada um a sete dias após trombólise com sucesso e lesão residual significativa. Dois grandes Trials (Timi 2-B e Swift) (Thrombolysis In Myocardial Infarction phase II trial) (81, 83) compararam estratégias conservadora e invasiva. Não houve diferença nos end points, morte, reinfarto ou função ventricular esquerda. No Timi 2-B o grupo conservador apresentou maior positividade no teste de esforço pré-alta (18% vs. 13%) e maior mortalidade naqueles com infarto prévio (12% vs. 4%).