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Seguindo este racional, o primeiro modelo terapêutico, como já citado anteriormente, foi o de controle de uma via, através do bloqueio (Figura 3) da enzima de conversão da angiotensina I para angiotensina II, que se mostrou eficaz nos resultados do estudo Consensus e de todos os outros que o sucederam utilizando o mesmo princípio. Mas, dentro deste modelo do bloqueio de uma via, por vezes poderia haver uma atuação mais eficaz e com menos paraefeitos com medicamentos que agissem de forma mais específica junto aos receptores que medeiam a parte final da cascata de ativação neuro-humoral. Em função deste raciocínio temos o desenvolvimento dos bloqueadores dos receptores AT1, que têm uma atuação mais distal em uma via. O estudo Elite II não conseguiu demonstrar o benefício deste racional, onde o losartan não demonstrou ser superior ao captopril na redução da mortalidade total (- 12%) e da morte súbita (- 20%), sugerindo que um bloqueio mais inespecífico desta via (SRAA) ocasionaria efeitos em outras vias (bradicinina e 1Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); Diretor de Unidade do Incor. 2Professor de pós-gaduação em Cardiologia da Santa Casa do Rio de Janeiro; Professor de Cardiologia da Universidade Gama Filho (UGF); Doutorando em Cardiologia pela USP; Médico do Hospital Pró-Cardíaco. prostaciclinas), ampliando o benefício de sua atuação. Ainda dentro da avaliação do bloqueio de uma via, tentou- se demonstrar que o bloqueio maximizado poderia trazer benefícios adicionais ao bloqueio de uma única via. Esta hipótese foi testada no estudo Atlas, no qual não se comprovou benefício adicional no uso de doses elevadas de lisinopril na redução da mortalidade geral e cardiovascular, tendo benefício somente na redução de reinternação hospitalar (Figura 3). Portanto o aumento da posologia na tentativa de ampliar a atuação terapêutica do bloqueio de uma via não se mostrou eficaz. Desta forma, um bloqueio, não de uma via, mas, sim, de duas vias, poderia ter uma atuação mais eficaz na modulação do sistema neuro-humoral. Esta possibilidade foi avaliada no estudo Val-HeFT, com a associação de enalapril com valsartan (bloqueio de duas vias) em comparação com enalapril (bloqueio de uma via). Não se observou benefício adicional na redução da mortalidade (19,4% vs 19,7%), e, sim, de eventos combinados de mortalidade com eventos combinados de reinternação e piora da IC (28,8% com enalapril vs 32,1% com enalapril + valsartan; p = 0,009). Com a suspeita de que um bloqueio mais amplo ou de múltiplas vias seria mais eficaz e se traduziria em maiores benefícios terapêuticos, o bloqueio de três vias, com adição de espirolactona, que ocasiona um bloqueio específico da via da aldosterona, evitando o escape da aldosterona que ocorre em cerca de 27% dos pacientes em uso de Ieca, como demonstrado por Alison, teria mais benefício que o bloqueio de duas vias.
Esta possibilidade foi validada pelo estudo Rales, que demonstrou que a adição de espirolactona na terapêutica com IECA, digital e diurético da IC, ocasiona um benefício adicional de redução de risco de mortalidade de 30%. Sendo assim, o bloqueio de quatro vias poderia ter um benefício ainda maior na melhora clínica e na redução da mortalidade por IC (Figura 3). Esta possibilidade foi testada com o uso do omopatrilato, que tem a propriedade de atuar no bloqueio do SRAA e inibir a ação da endopeptidase, que é a enzima responsável pela degradação do peptídeo atrial natriurético (PAN). O PAN tem ação vasodilatadora e diurética, com efeitos anti-remodelagem e de modulação do SRAA, endotelina e vasopressina, e, portanto, o aumento dos seus níveis séricos através da inibição de sua degradação poderia ter benefícios terapêuticos por ter uma atuação fisiológica múltipla. Inicialmente esta possibilidade foi sugerida no estudo Impress, no qual o omopatrilato apresentou uma taxa de mortalidade combinada com hospitalização 47% menor que o lisinopril. Como este estudo foi realizado com pequeno número de pacientes, um novo estudo com maior número de pacientes, denominado Overture, teve os seus resultados apresentados este ano no congresso do Colégio Americano de Cardiologia, e não se demonstraram benefício na associação do omopatrilato com a terapêutica usual para IC na redução da mortalidade (p = 0,3; RR: 0,94), eventos combinados de morte com hospitalização (p = 0,18; RR: 0,94), morte cardiovascular com hospitalização cardiovascular (p = 0,02; RR: 0,91) e morte com infarto do miocárdio, hospitalização e acidente vascular encefálico (p = 0,2; RR: 0,93).
Na análise dos paraefeitos, a associação de omopatrilato apresentou maior incidência de hipotensão arterial (19,5% vs 11,5%). Estes resultados levantam o questionamento de que o bloqueio de múltiplas vias pode ocasionar a perda de mecanismos fisiológicos necessários para a sustentação cardiovascular e hemodinâmica, em que os benefícios da modulação neuro-humoral seriam suplantados pelo desenvolvimento de paraefeitos, o que vem a sugerir que um bloqueio de múltiplas vias (mais do que três vias) pode ocasionar efeitos além dos desejáveis para controle da IC. Ao invés de bloquearmos de forma múltipla a via do peptídeo atrial natriurético, podemos amplificar a atuação de seus efeitos moduladores do sistema neurohumoral através da reposição de um similar sintético do fator natriurético B(FNB) (Figura 3).
O neseritide, composto sintético do FNB, foi avaliado em pacientes com IC aguda por via parenteral, em que foi observada uma importante melhora clínica intra-hospitalar, com redução das pressões de enchimento de forma mais efetiva que a nitroglicerina venosa e redução da readmissão hospitalar e mortalidade em seis meses, em comparação com a dobutamina. O neseritide apresenta-se como uma nova medicação que poderá vir a ser de grande utilidade para o tratamento das formas agudas de IC. Observando o racional de que o bloqueio de múltiplas vias poderá ocasionar perda de efeitos desejáveis de sustentação cardiovascular, a utilização de bloqueadores dos receptores da endotelina associados com a terapêutica usual da IC ocasiona um bloqueio de quatro vias. A utilização do bosentan, antagonista dos receptores da endotelina, adicionado à terapêutica da IC em pacientes com importante disfunção ventricular, foi avaliada no estudo Enable e apresentada este ano no congresso do Colégio Americano de Cardiologia, e os resultados não demonstraram benefício na redução da mortalidade, mas uma maior tendência à retenção hídrica e hipotensão arterial no grupo do bosentan. Estes resultados vêm mais uma vez enfatizar os malefícios do bloqueio múltiplo extenso, ultrapassando os benefícios da modulação neuro-humoral. Paralelamente à modulação humoral, temos o controle da atividade neural com a utilização de betabloqueadores (Figura 4).
O benefício da utilização dos betabloqueadores está bem estabelecido nos pacientes com IC classe funcional II e III da New York Heart Association (NYHA), na melhora da sobrevida, da função ventricular e da qualidade de vida. Nos pacientes com classes funcionais I e IV, ainda não estão bem estabelecidos o seu benefício terapêutico e a segurança de sua utilização. O benefício da utilização do carvedilol em pacientes com classes funcionais I e III-IV de IC foi demonstrado em dois estudos, Capricorn e Copernicus. O estudo Capricorn avaliou pacientes com disfunção ventricular pós-infarto do miocárdio clinicamente assintomáticos. Os resultados demonstraram uma redução de 23% de mortalidade cardiovascular (p = 0,031), principalmente por morte súbita (26%), e evento combinado de mortalidade global e infarto do miocárdio não-fatal (p = 0,002; RR: 0,71). O estudo Copernicus avaliou pacientes com importante disfunção ventricular e em classe funcional IIIIV da NYHA e demonstrou um benefício com a utilização do carvedilol, com uma redução de 35% na mortalidade (p < 0,001) e de 24% nos eventos combinados de internação e morte (p < 0,001). Estes benefícios foram também observados em subgrupos de pacientes com formas mais avançadas de IC na redução da mortalidade anual: 42% nos Universo da resposta terapêutica dos betabloqueadores 15 - 8 - 23 - 36 - 35 - 34 - 24 24 15 14,8 Susp. Susp. Susp. Paraef. Morb. Morb. Morb. Mort. Capricorn Copernicus Mort. CF I US Cardevilol Cibis II Merit-HF CF II-III CF IV Mort. Bloqueio de 4 vias Omopaprilato AGI ECA IECA BAT1 Bradicinina AGII AT1 Aldosterona Angiotensinogênio Espirolactona Proliferação, Fibrose Apoptose, PAI-1 PA RO2, NO NA + H2O retenção Ativação neuro-humoral Renina Inibidor da endopeptidase Peptídio atrial natriurético X X X X + + – – Santa Casa RJ/Pró-Cardíaco pacientes com fração de ejeção < 20% e com uma internação anual, 36% nos pacientes com fração de ejeção < 15% e com três internações anuais, e de 50% nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva que necessitaram fazer uso de inotrópicos e com mais de três internações em um ano. Portanto a utilização dos betabloqueadores no tratamento da IC tem agora o seu benefício e a segurança de sua utilização comprovados em todas as classes funcionais da IC (Figura 4). Quando se avalia o benefício da utilização dos betabloqueadores na modulação neuro-humoral através do bloqueio terapêutico múltiplo e da análise de projeção de resultados, no estudo SOLVD, nota-se que a adição de betabloqueador à terapêutica com Ieca ocasiona uma redução de 60% na internação anual por IC, em comparação com 30% com o uso de Ieca isolado. Numa mesma análise de projeção no estudo Rales, encontramos benefício semelhante com a adição de carvedilol à espirolactona, ocasionando uma redução da mortalidade de 58% comparada a 27% no uso não-associado da espirolactona. Nas formas avançadas de IC, temos ativação de forma significativa do sistema das citocinas (TNF alfa e interleucinas). Estes componentes de atividade inflamatória exercem um efeito de depressão da contratilidade miocárdica, promoção da fibrose, proliferação do colágeno e ativação da cascata enzimática da apoptose. A atividade do sistema das citocinas é independente e sinérgica com o sistema neuro-humoral. A ativação deste sistema promove a progressão da IC com piora clínica da remodelagem ventricular e pior prognóstico a longo prazo. O benefício do bloqueio da via da citocina tem sido demonstrado em pequenos estudos com o uso da pentoxifilina associada com digital, Ieca e betabloqueadores. A pentoxifilina tem uma atuação de bloqueio da transcrição do RNA do TNF no núcleo do miócito. Os resultados demonstram melhora da classe funcional, fração de ejeção do ventrículo esquerdo e redução de eventos mórbidos ao fim de seis meses de acompanhamento. Com o mesmo racional de modulação da via inflamatória, a utilização de imunoglobulina em formas agudas de IC por miocardite periparto demonstra uma melhora significativa na classe funcional e fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Resultados semelhantes foram observados na utilização em cardiomiopatia dilatada com importante disfunção ventricular, ao fim de seis meses de acompanhamento. O benefício da associação dos moduladores da via inflamatória com Ieca e betabloqueadores está no sinergismo de atuação destas medicações na modulação inflamatória. O enalapril reduz a produção da interleucina 6, e o metoprolol reduz a produção das interleucinas 1 e 6 e do TNF alfa. Embora o racional do bloqueio da via inflamatória esteja bem evidente, a utilização de anticorpos anti-TNF alfa na IC não apresentou benefício, como demonstrado no estudo Renaissance/Recover, que foi interrompido antes do tempo previsto. Uma nova linha de medicações está em desenvolvimento, sendo o levosimendan o mais recente para utilização no armamentário terapêutico da IC aguda. Esta droga tem a propriedade de aumentar a afinidade do cálcio ao sítio C da troponina, aumentar a ativação dos canais L de cálcio na membrana citoplasmática e ativar os canais de ATP de potássio. Os benefícios hemodinâmicos demonstrados foram a melhora na contratilidade miocárdica com resultante aumento do volume sistólico do débito cardíaco e redução da resistência arterial sistêmica e pulmonar. Comparado com a dobutamina, o levosimendan alcança benefício hemodinâmico em 88% dos pacientes, enquanto que a dobutamina, em 70%. Outra medicação para uso em formas crônicas de IC é o pimobendan, que também tem propriedades sensibilizadoras do cálcio e de redução da ativação da via inflamatória por ocasionar uma redução de 70% na ativação do óxido nítrico sintetase com conseqüente redução do óxido nítrico, que é o mais importante mediador da atividade inflamatória das citocinas. O benefício do bloqueio terapêutico múltiplo neuro-humoral-citocina modificou a história natural da IC, com melhora do prognóstico, a longo prazo, de todas as classes funcionais. A mortalidade ao fim de um ano na classe funcional IV tem sido de 18% a 22%; na classe funcional II-III, 6% a 8%, e na classe funcional I, 2% a 4%. A evolução do racional da terapêutica na IC deve migrar de um modelo de bloqueio múltiplo dos sistemas de sustentação para um modelo que visa à atuação direta nos determinantes de formação de doença, através da bioengenharia e terapia celular, podendo evoluir definitivamente para o controle eficaz da insuficiência cardíaca. Referências Bibliográficas 1. KATZ, A. Heart Failure. Pathophysiology, molecular biology, and clinical management. Lippincott Williams & Wilkins, 2000. 2. PITT, B.; POOLE-WILSON, P. A.; SEGAL, R. Effect of losartan with captopril on mortality in patients with symptomatic heart failure: rationale, design, and baseline characteristics of patients in the Losartan Heart Failure Survival Study-Elite II. Lancet, v. 355, p. 1582-7, 2000. 3. PACKER, M. et al. 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