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    São cinco os grandes grupos de hipotensores utilizados no tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS), a saber: diuréticos, betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), antagonistas do cálcio e antagonistas dos receptores da angiotensina II (Quadro 1). Na ausência de doença associada iniciamos o tratamento com qualquer deles, entretanto a maioria dos pacientes apresenta doença associada ou complicação da hipertensão. Assim, é mister, na prática, individualizar o tratamento para que não haja agravamento e não piore o quadro metabólico, bem como as funções cerebral, cardíaca, renal e a circulação periférica(1). Autor
    Antonio Alves de Couto

    Professor Titular da disciplina de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense e Coordenador da disciplina de Cardiologia.


              Torna-se importante a análise dos grandes estudos, considerando-se a significância estatística, o intervalo de confiança e o número de pacientes tratados para um bom desfecho (NNT, que, quanto menor, melhor). Aliás, a medicina baseada em evidências surge não para destruir nossa criatividade, mas para estimulá-la. Por esta razão, ao considerarmos efeitos e paraefeitos das drogas, é muito relevante o conhecimento dos trials para uma prática aplicação correta dos mesmos.
              São vários os mandamentos para tratamento da hipertensão, tarefa difícil na prática diária, que inclui controle da PA, bloqueio neuro-humoral e ação na remodelagem cardíaca e vascular, além da aderência. A recomendação geral (Figura 1) tornou-se mais abrangente, já que, após os estudos HOT e UKPDS, aprendemos que duas ou mais drogas combinadas são requeridas em pelo menos 70% dos casos(2, 3), além da evidente mudança de paradigma após o estudo Life, em que se reconheceu nos doentes de risco a necessidade de algum grau de bloqueio do sistema renina-angiotensina- aldosterona, em particular com os sartans(4).

    Diuréticos

              Muito usados até alguns anos atrás, quando sofreram restrições devido à sua ação deletéria sobre o perfil metabólico, como aumento de triglicerídeos e de LDL, diminuição de HDL, hipocalemia, hiperuricemia, resistência à insulina e alcalose metabólica. Estas alterações metabólicas podem ser responsáveis pela manutenção da aterosclerose, apesar do controle pressórico e da diminuição de outras complicações (AVE, ICC, etc.).
               Atualmente, quando utilizados, o são em pequenas doses e, geralmente, em associação com outros medicamentos (Quadro 2). Aliás, quando a baixa dose é ineficaz, pode ser combinado com antagonistas dos canais do cálcio (ACC), betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), antagonistas da angiotensina, rilmenidina, etc. Em verdade, o segredo para a baixa dose de diurético ser efetiva é proceder- se à restrição do sódio.
               Podemos dividir os diuréticos em quatro grupos, pelo seu sítio de ação (Tabela 1):

    • No túbulo proximal. Por exemplo: inibidores da anidrase carbônica, que apresentam limitada ação hipotensora.
    • Alça de Henle. Por exemplo: ácido etacrínico e furosemida. Não usados na HAS, a não ser quando esta estiver associada a insuficiência renal ou a ICC com disfunção sistólica.
    • Túbulo distal. São agentes poupadores de potássio, pouco eficientes no controle da PA, mais utilizados em associação com tiazídicos. Por exemplo: amilorida, triantereno e espironolactona.
    • Porção final da alça de Henle e túbulo contornado distal - diuréticos tiazídicos. Os mais utilizados para controle pressórico. Por exemplo: hidroclorotiazida e indapamida.
              O diurético mais utilizado no tratamento da HAS é a hidroclorotiazida em doses inferiores a 12,5mg/ dia, situação em que a eficácia anti-hipertensiva é satisfatória e praticamente sem efeitos adversos, não agravando a hiperinsulinemia e não alterando os lipídios. Diuréticos de longa ação, como a clortalidona, são freqüentemente utilizados e recomendamse doses inferiores a 15mg/dia. Uma dose de 25mg/ dia eleva o colesterol sérico em 8% a 10%. A clortalidona em baixas doses (15mg/dia) é tão eficaz quanto com 25mg e com menos hipocalemia. A dose de 15mg foi utilizada no estudo Tomhs em pacientes com hipertensão leve(5).
               Obviamente, os estudos iniciais demonstraram superioridade em relação ao placebo nos hipertensos, com resultados variáveis e não-definitivos em relação à coronariopatia, como se pode notar: Shep (6% x 4%); Stop-H (3,9% x 3,8%); MRC (7,2% x 5,9%); Ewphe (13,9% x 11,5%) e Coope (8,2% x 8,1%), ou seja, a prevenção coronariana foi atingida nos pacientes tratados com diurético, mas não houve prevenção naqueles distribuídos aleatoriamente ao betabloqueador(6-8).
               Atingindo a meta atual, nova análise do estudo Shep demonstra que tratamento da hipertensão sistólica reduz AVC isquêmico e hemorrágico. Este foi um ensaio multicêntrico no qual foram distribuídos de modo aleatório 4.736 pacientes com 60 anos ou mais para receberem clortalidona ou comprimidos de placebo.

    Ensaio sueco em idosos com hipertensão
    (Swedish Trial of Old People with Hypertension
    [Stop-H])

              Este ensaio multicêntrico acerca do tratamento da hipertensão diastólica confirmou em grande parte os achados de todos os outros estudos, com uma redução significativa dos acidentes vasculares cerebrais e alguma prevenção coronariana. Não se pode ter certeza se um grupo tratado medicamentosamente foi melhor do que o outro quanto à prevenção coronariana(8).

    Ensaio Medical Research Council (MRC) de hipertensão nos idosos

              À luz deste ensaio, pode ser hoje afirmado que o tratamento da hipertensão sistólica isolada foi validado, embora permaneça incerto qual nível de pressão sistólica ideal deve ser tratado(7).
               O tiazídico modificado (indapamida) tem ação lipídica neutra. Habitualmente se inicia com 1,25mg/ dia, por quatro semanas, e a seguir pode-se aumentar a dose. As alterações no potássio, na glicose e no ácido úrico são leves. Entretanto é superior à hidroclorotiazida em induzir regressão de HVE, reduzir microalbuminúria e não levar a insuficiência renal. É um diurético de referência pelo VI JNC. O estudo Livre mostrou até mesmo superioridade em relação ao enalapril na redução da HVE. Já se pode utilizar a forma com maior aderência de liberação lenta de 1,5mg SR. Tem ação estrutural vascular, reduzindo a rigidez arterial. É também o único dos diuréticos que preserva a função diastólica do VE.
               Os diuréticos de curta duração, como a furosemida e a bumetanida, só são utilizados, conforme já referimos, nos pacientes edemaciados, para os quais múltiplas doses se tornam necessárias. A metolazona tem a mesma eficiência e pode ser utilizada uma vez ao dia. Diversos estudos têm demonstrado que os diuréticos se aplicam com vantagem aos hipertensos em que se identifique um componente volêmico importante, como nos obesos e nos negros. Nestes, os diuréticos são melhores em monoterapia do que os betabloqueadores. Porém não constituem, necessariamente, como já vimos, a primeira opção nestes casos. Na raça branca dá-se o inverso. Já a combinação de diuréticos com qualquer das drogas citadas apresenta eficácia comparável em ambas as raças. Devemos, entretanto, ressaltar que os obesos, por exemplo, têm hiperinsulinemia que não é reduzida pelos diuréticos. A clortalidona e os tiazídicos representam os diuréticos de escolha na HAS. A par dos efeitos diuréticos das substâncias deste grupo, trabalhos recentes relatam um efeito 

    vasodilatador com o uso de doses mais baixas, como 6,25mg/dia a 12,5mg/dia de clortalidona, admitindo-se, inclusive, que este seja o principal mecanismo responsável pela diminuição da PA. Não se observou incremento na ação vasodilatadora com doses acima de 25mg, e, sim, aumento da diurese, que, provavelmente, não é responsável pelo controle pressórico, podendo, como veremos adiante, levar à hipertensão paradoxal. A vasodilatação é provocada por efeito direto na musculatura vascular. Há, também, uma retirada de sódio e água da parede do vaso, diminuição da responsividade a substâncias vasopressoras, como a angiotensina II e as catecolaminas, e aumento da sensibilidade às prostaglandinas vasodilatadoras, do tipo PGI2 e bradicinina. O efeito diurético pleno é conseguido após quatro a seis semanas de tratamento.
               Para os pacientes portadores de patologia renal, indicamos os diuréticos de alça quando a creatinina plasmática for maior que 2mg%. Outra indicação na HAS refere-se àquela decorrente de alterações de prostaglandinas, situação que cursa com a hipopotassemia.

    Efeitos adversos

              Pela diurese induzida, há diminuição da volemia com queda do fluxo plasmático renal, o que leva ao aumento da liberação de renina com a conseqüente vasoconstrição, que prejudicaria o efeito anti-hipertensivo dos diuréticos. Devido ao seu mecanismo de ação, os tiazídicos provocam perda de potássio na urina, o que pode induzir uma hipocalemia grave, principalmente nos indivíduos portadores de arritmias cardíacas ou em uso de digitálicos.
               Verificou-se, também, que há alteração no perfil lipídico, com aumento dos níveis plasmáticos de LDL, VLDL, colesterol e diminuição de HDL, constituindo-se, portanto, numa evidente desvantagem quando analisamos o risco do paciente hipertenso para o desenvolvimento de doença aterosclerótica. O mesmo vale para o aumento da resistência à insulina, que por si só é fator de risco isolado para doença cardiovascular e HAS primária.
               Após 12 meses de uso em pacientes com mais de 60 anos, o aumento do colesterol é discreto; nos indivíduos jovens, os níveis podem manter-se 20mg acima dos observados antes do tratamento. Em jovens e velhos, o ácido úrico pode elevar-se em um ponto no decurso de um ano, com possibilidade de desenvolver gota. A resistência à insulina também está aumentada, podendo ocorrer hiperglicemia, especialmente em diabéticos (Quadro 3).
               Outros efeitos colaterais: sabor desagradável, boca seca, fraqueza, cãibras musculares, irritação gastrintestinal, erupção cutânea, fotossensibilidade, hipocalemia, hiponatremia, hiperglicemia, hiperuricemia, hipercalcemia, surdez neurossensorial (ácido etacrínico, bumetanida e furosemida IV), impotência sexual, pancreatite, mielodepressão, púrpura, hirsutismo (espironolactona).
               Em conclusão, apesar dos efeitos adversos metabólicos, os diuréticos em baixas doses permanecem como os de preferência em idosos, obesos e negros. Comparados com placebo, reduzem AVC no idoso. Achamos muito promissora, entre os diuréticos, a indapamida, quer isoladamente, quer em associação. Estudos de aderência com diuréticos convencionais revelam que, em cinco anos usando diurético isoladamente, só 46% ainda toleram o medicamento(9).

    Betabloqueadores

              Estas drogas atuam na redução da PA através de um mecanismo multifatorial que inclui queda do DC em 15% a 20%, redução na liberação de renina em cerca de 60% e bloqueio adrenérgico central, com diminuição da descarga simpática. Porém levam a um aumento na resistência periférica total, que tende a diminuir com a continuação do tratamento, mantendo- se, no entanto, acima dos níveis pré-tratamento.
               Outro aspecto importante é que, exceto o carvedilol, os betabloqueadores aumentam indesejavelmente a resistência insulínica.
               Podemos, através de diversas características, dividir estas substâncias por:

    • Cardiosseletividade: é relativa, sendo mais evidente em baixas doses. Em altas doses, este efeito pode se perder. São representantes deste grupo o acebutolol (200-1.000mg/dia), o metoprolol (25-150mg, duas vezes ao dia) e o atenolol (25-100mg/dia).
    • Atividade simpática intrínseca (ASI): apresentam atividade intrínseca simpática, levando à queda da PA com menor diminuição da freqüência cardíaca (FC), da performance cardíaca e dos níveis de renina. São representantes deste grupo o pindolol (10-30mg, duas vezes ao dia) e o acebutolol (200 a 400mg, três vezes ao dia). São utilizados em pacientes hipertensos e bradicárdicos ou com doença vascular periférica. Apresentam menos efeitos colaterais que outros betabloqueadores, principalmente sobre o metabolismo glicídico.
    • Lipossolubilidade: os betabloqueadores com esta característica têm uma menor capacidade de atravessar as barreiras hematencefálica e placentária, diminuindo, assim, os efeitos colaterais sobre o SNC e o feto. Os principais representantes são o nadolol (80mg/dia a 240mg/ dia) e o atenolol (Tabela 2).
              O betabloqueador ideal em hipertensos é aquele de longa ação, cardiosseletivo e eficaz em dose padrão; deve ter também farmacocinética simples (sem metabolismo hepático, baixa ligação protéica, nenhuma solubilidade lipídica e sem metabólitos ativos). Às vezes a ação vasodilatadora, particularmente em idosos e negros, representa uma vantagem. A comparação do betabloqueador vasodilatador com o atenolol, ao fim de um ano, em hipertensos jovens, entretanto, não oferece vantagens nos efeitos globais e paraefeitos. A droga ideal deveria ser lipídio-neutra, como os que têm ASI, ou particularmente seletiva, como o acebutolol. Em estudos menores, o celiprolol tem sido promissor, entretanto mesmo os betabloqueadores clássicos como propranolol e atenolol tendem a reduzir o colesterol total no sangue em pacientes com níveis iniciais elevados. Assim, na prática, o betabloqueador uma vez ao dia é o ideal, porém é importante avaliar se a cobertura anti-hipertensiva se mantém após 24 horas.
               Os betabloqueadores têm sua principal indicação na terapêutica do hipertenso e do simpaticotônico jovem, já que estes pacientes se beneficiam com a redução da descarga adrenérgica central e suportam bem os efeitos depressores sobre a contratilidade miocárdica e a freqüência cardíaca. Entretanto destacamos que, exceto o carvedilol, estas drogas têm efeito metabólico indesejável.
               Existem diversos produtos disponíveis que se assemelham em seus efeitos anti-hipertensivos nas doses equipotenciais. Diferenciam-se pela cardiosseletividade, pela atividade simpaticomimética intrínseca e pela lipossolubilidade, dando oportunidade para a adequação de cada composto às necessidades e dificuldades no tratamento de cada paciente. Vale citar que todos eles mantêm intacta sua ação anti-hipertensiva nas várias atividades, posturas e temperaturas corporais.
               Com relação à idade, sabe-se que o sucesso da terapia é maior nos pacientes com menos de 40 anos, decrescendo progressivamente a eficácia com o aumento da idade, havendo, inclusive, aumento da suscetibilidade aos efeitos colaterais. No paciente idoso pode ocorrer isquemia de extremidades mediada por alfa-receptores, que, na ausência da oposição dos receptores beta, induzem a uma vasoconstrição potencialmente deletéria para a circulação periférica, muitas vezes já comprometida no idoso. Efeito que não ocorre com betaalfabloqueadores como o carvedilol. Nos hipertensos com idade média de 59 anos, particularmente os homens brancos, estas drogas também oferecem bons resultados e, em alguns estudos, em combinação com os diuréticos, reduzem a mortalidade.
               No estudo MRC, em idosos, os diuréticos reduziram a mortalidade por doença coronariana e os betabloqueadores não alcançaram este resultado. Em geral, em negros há níveis reduzidos de renina, bem como nos idosos, o que justifica a ineficácia do atenolol em homens negros hipertensos.
               Uma regra prática no uso de betabloqueadores consiste no fato de que, se o paciente não responder com queda da PA na primeira semana, não adianta substituir por outro betabloqueador.
               Na gravidez, o uso do betabloqueador deve ser cauteloso, visto que aumenta a contratilidade uterina e promove hipoglicemia e bradicardia fetal.
               O emprego isolado destas drogas também é desaconselhável, pois, por mecanismos que envolvem aumento da retenção de sódio e vasoconstrição periférica e renal mediada por receptores alfa, pode levar à hipertensão paradoxal, sobretudo em pacientes com renina plasmática baixa, já que nos hiperreninênicos a significativa redução da renina contrabalançaria os efeitos hipertensivos citados. Pelos motivos já enumerados, é importante avaliar os efeitos metabólicos advindos da terapia betabloqueadora. Há, portanto, redução nos níveis de HDL da ordem de 13% e aumento nos níveis de triglicerídeos em torno de 24%. Analisando-se estes dados em conjunto, com referência aos diuréticos, no que concerne às alterações no perfil lipídico induzidos pelo tratamento, torna-se fácil imaginar o motivo pelo qual a morbimortalidade por doença coronariana mantém-se insistentemente elevada durante tantos anos de sucesso no controle pressórico clássico imposto aos nossos pacientes.
               No Happy Trial foi comparado betabloqueador com diurético em hipertensos de 40 a 64 anos (HCT2 50mg x atenolol 100mg), e não houve diferença de mortalidade.

    Efeitos colaterais

              Fadiga, sonolência, irritação gastrintestinal, depressão, bradicardia, impotência sexual, aberrações mentais, hipoglicemia, pesadelos e insônia. Estes efeitos são mais graves e comuns com o propranolol e menos intensos com os outros betabloqueadores. Há relato de síndrome lupus like com o uso de acebutolol (Quadro 4).

    Precauções de uso

              Deve haver precauções de uso em ICC, bloqueio cardíaco de segundo e terceiro graus, asma brônquica, doença arterial oclusiva crônica e diabetes melito insulinodependente.
               Em realidade, os betabloqueadores constituem, hoje, com manuseio adequado, as drogas de primeira linha para tratamento da insuficiência cardíaca, inclusive grau IV (Copernicus), tendo como pilar o carvedilol. O labetalol é um alfabetabloqueador combinado mas com atividades predominantemente alfabloqueadoras quando dado por via endovenosa ou oral. Ele irá diminuir a pressão arterial rapidamente quando administrado na forma de infusão. Este modo é favorecido pelos obstetras no tratamento de pacientes com eclâmpsia grave.
               Verdadeira revolução ocorreu recentemente, quando se comparou droga ativa (atenolol) com antagonista da angiotensina (losartan) nos pacientes de alto risco.
               O trial denominado Life mostrou vantagens nos desfechos do antagonista da angiotensina, inclusive com redução temporal do número de diabéticos. Mais recentemente ainda se demonstrou a utilidade nos hipertensos leves moderados (Scope Trial).
               O Quadro 5 e a Figura 2 apontam estes aspectos importantes na utilização dos betabloqueadores. No AASK Trial foram comparados tratamentos ativos na HAS - ramipril x metoprolol x anlodipina -, todos com função renal reduzida, e a doença renal terminal e a morte reduziram-se mais significativamente com ramipril em relação a metoprolol e anlodipina.
               A adesão dos betabloqueadores convencionais em cinco anos é de apenas 46%.

    Inibidores da enzima
    conversora da angiotensina

              É a classe de drogas que determina melhor qualidade de vida ao hipertenso após os sartans. Os principais produtos incluem o captopril, cuja dose inicial é de 6,25mg de 8h/8h, e o lisinopril, com dose inicial diária de 10mg, que pressupõe uma menor necessidade do ajuste da dose do que os outros fármacos do grupo.     Ultimamente, têm-se utilizado também o ramipril, o benazepril e o fosinopril, já disponíveis no Brasil, além do cilazapril e do trandolapril (o único que faz perder peso)(11, 12).
               Mais recentemente, outros inibidores da ECA têm sido utilizados, entre os quais os de maior destaque são o perindopril e o ramipril (Tabela 3)(13, 14).
               Os novos inibidores da ECA podem ser classificados de acordo com o íon zinco ligado à cininase II.           Em decorrência teremos radicais sulfidrila, carboxil e fosforil. Entre os inibidores da ECA com radical sulfidrila, e que são pró-drogas, podemos citar o alacepril e o moveltipril. O benazepril e o ramipril apresentam uma meia-vida maior do que o enalapril; já o perindropril tem um pico de ação maior, enquanto o quinapril e o espirapril têm uma meia-vida menor.
               Produzem queda da PA por aumento de substâncias vasodilatadoras (bradicinina e prostaglandina) e diminuição da angiotensina II, que é vasoconstritora.
               O captopril possui em sua molécula o radical sulfidrila, que lhe confere a propriedade de impedir a progressão da vasculopatia diabética. O lisinopril, desprovido deste radical, promove, no entanto, uma redução da proteinúria em pacientes com doença renal.
               Todos os compostos do grupo induzem diminuição da resistência à insulina. O que é de particular importância, já que a HAS é uma síndrome endócrino-metabólica com hiper-resistência à insulina.
               Os inibidores da ECA atuam favoravelmente no perfil lipídico, sendo sugerido, inclusive, um efeito antiaterogênico. Representam, portanto, as drogas que possibilitam boa qualidade de vida aos pacientes. Em comparação com a nifedipina, reduzem de forma semelhante a PA, mas com menor incidência de efeitos colaterais que esta. Os efeitos indesejáveis incluem tosse induzida pelo aumento da bradicinina (que pode ser atenuada usando-se sulfato ferroso), diminuição do apetite, alterações hematológicas leves e, principalmente, rash cutâneo.
               Sob o ponto de vista prático, os inibidores da ECA, e particularmente o benazepril e o ramipril, pela sua ação prolongada, constituem, em nossa opinião, o baluarte para o tratamento da HAS, além do perindopril. Realçamos, entretanto, que nos negros e velhos estas drogas devem ser evitadas, por apresentarem uma ação subótima, dependendo do polimorfismo genético da ECA e do angiotensinogênio. Por outro lado, casos há em que se obtêm benefícios com estas drogas, isoladamente ou com associações, nestes dois grupos.
               São drogas de primeira escolha nos portadores de HAS associada com hiperinsulinemia, diabetes, HVE e doença coronariana. Os inibidores da ECA também são de primeira escolha nos pacientes hipertensos que não sejam negros ou velhos. Como referimos, são indicados aos hipertensos diabéticos, principalmente por causa do benefício contra glomeruloesclerose progressiva, e porque não alteram para pior a regulação da glicose. O sítio da vasodilatação é um importante aspecto, tanto é que o captopril diminui a fração de filtração e a nifedipina aumenta; em contrapartida, o captopril reduz a albuminúria e a nifedipina a aumenta. A vasodilatação pré-glomerular dos antagonistas do cálcio pode aumentar a pressão intraglomerular e a albuminúria, enquanto a dilatação pós-glomerular dos inibidores da ECA pode ser benéfica. Na insuficiência renal hipertensiva, estes fármacos alentecem a progressão para estágios mais avançados, diferentemente dos betabloqueadores.
               Não devem ser usados em grávidas e nos hipertensos com estenose da artéria renal bilateral ou em rim único. Nestes casos, os inibidores da ECA podem determinar grave insuficiência renal, por abolir o efeito vasoconstritor da artéria eferente, essencial para a função renal, decorrente da ação da angiotensina II. Não devem ser utilizados também no hiperaldosteronismo primário e na coarctação da aorta. Em relação aos idosos, a inibição da ECA em brancos é eficaz. Por outro lado, em hipertensos masculinos negros e idosos, o captopril não é superior ao placebo, talvez porque o estado hiporreninêmico seja importante nestes casos.
               Quando associados com hidroclorotiazida, a dose não deve exceder 12,5mg do diurético, já que doses mais elevadas não aumentam o efeito anti-hipertensivo. Inclusive, esta associação é mais lógica do que aumentar a dose do inibidor da ECA. Embora aditiva, a associação de inibidor da ECA com betabloqueador não é de escolha. Em relação à associação com antagonistas do cálcio, há benefício, particularmente com o verapamil.
               O entendimento dos múltiplos mecanismos da HAS orienta-nos para a terapêutica adequada, que, obviamente, deverá ser respaldada na modificação de sua história natural. Assim, 68% dos hipertensos brancos apresentam, no mecanismo da HAS, a resistência insulínica, e, em conseqüência, o inibidor da ECA se torna importante terapêutica nestes casos (Figura 3).
               No estudo Race foram comparados ramipril (2,5mg) e atenolol (50mg) em hipertensos com HVE. Ambos reduziram a PA, porém o atenolol praticamente não reduziu a HVE, diferentemente do ramipril (redução de 11% em seis meses).
               Um dos mandamentos a ser respeitados no tratamento da HAS é a relação vale/pico, que deve ser superior a 0,50. Quando tal não ocorre, há flutuação da PA, que permite lesão de órgão-alvo, como, por exemplo, o AVC. Entre os IECA de maior relação temos o perindopril (resultado favorável demonstrado no estudo Progress) e o ramipril (resultado muito bom na prevenção cardiovascular de alto risco, como no estudo Hope). Por outro lado, o captopril tem vale/pico de apenas 38%, justificando os resultados subótimos dos estudos Capp e UKPDS. Por esta razão, o captopril na HAS deve ser preferencialmente usado somente na crise hipertensiva(13).
               O estudo de Lewis demonstrou que, entre pacientes tratados com anti-hipertensivos (com e sem inibidor de ECA), os que recebiam, além do anti-hipertensivo, também o inibidor da ECA apresentavam uma redução de cerca de 40% da progressão para óbito, diálise e transplante renal ao longo de quatro anos. Este estudo demonstrou então que a redução da pressão é importante, mas que, além disto, precisamos de uma outra ação, a que os antagonistas de AII e os inibidores da ECA apresentam(14).
               Outro aspecto importante na HAS é que estudos comprovam que, quando temos três populações, uma com quantidade de excreção de proteína normal (< 150mg/l), outra com quantidade de excreção de proteína começando a aumentar (150-300mg/l), e uma terceira com quantidade de excreção de proteína muito alta (> 300mg/l), geralmente observa-se que a população normal vive mais. Assim, a proteção renal conferida pelos IECA por bloquearem a ação da angiotensina II na arteríola eferente é responsável pela proteção renal (Figura 4)(15).
               No estudo Microhope, por exemplo, houve redução de nefropatia de 24% com o ramipril.
               Em resumo, o substancial benefício conferido pelos IECA na HAS se deve a mecanismos múltiplos:

    • vasodilatador;
    • neuro-humoral;
    • remodelagem;
    • proteção renal;
    • trombose/fibrinólise;
    • aterosclerótico.
    Bloqueadores do cálcio

              Constituem um grupo quimicamente diverso de drogas que exercem seus efeitos por bloqueio, em variados níveis, da entrada de cálcio na célula. Os bloqueadores do cálcio foram divididos em três tipos.
               São drogas particularmente eficazes no idoso, sendo igualmente eficazes em negros e brancos. Podem ser selecionados como monoterapia inicial, especialmente se alguma destas condições estiver presente: angina de peito, fenômeno de Raynaud, taquicardia supraventricular ou ventricular (coração normal). Várias formulações estão disponíveis, com liberação que cobre 24 horas, representando a escolha, já que aqueles de meia-vida curta podem até aumentar a mortalidade.

    Tipo I

              Composto basicamente pelas diidropiridinas e tendo a nifedipina como principal representante, é administrado na dose inicial de 10mg de 8h/8h e produz vasodilatação arterial periférica e coronariana, com diminuição da pós-carga e aumento do fluxo coronariano. Seu discreto efeito vasodilatador é anulado pela resposta simpática à vasodilatação periférica.
               Não exerce influência sobre o sistema de condução.
               Pela reduzida relação vale/pico, só se utiliza a forma Gits, que demonstrou benefício na HAS de alto risco (estudo Insight)(16).
               Devemos tomar cuidado com a possibilidade de insuficiência cardíaca, que ocorre em 2% dos pacientes em conseqüência do efeito inotrópico negativo direto desta droga. Pode ser utilizado nos hipertensos coronarianos, particularmente em associação com os betabloqueadores. O modelo ideal de indicação dos bloqueadores do cálcio na HAS é representado pelos casos que cursam com resistência periférica elevada, como ocorre nos hipertensos negros e nos idosos.
               O inconveniente da utilização desta droga é a presença de cefaléia, parestesia e edema pré-tibial. É bem absorvida por via oral, sendo metabolizada em nível hepático, não necessitando de redução da dose para qualquer taxa de fibrilação glomerular (Quadro 6).
               No estudo Stone, 1.632 pacientes entre 60 e 79 anos de idade com pressão arterial acima de 160/ 95mmHg foram distribuídos de modo aleatório para receberem nifedipina ou placebo. Este ensaio, sendo conduzido numa população de chineses, não poderia oferecer nenhuma informação acerca da cardiopatia coronariana, pois que esta afecção é rara na China. Portanto houve uma redução estatisticamente significativa nos acidentes vasculares cerebrais (16 no grupo da nifedipina e 36 no grupo placebo) e, de grande importância, não houve excesso de mortalidade decorrente de câncer ou de outras doenças cardiovasculares.

    Tipo II

              É representado pelo verapamil (dose inicial de 40mg de 8h/8h) e pelo diltiazem (dose inicial de 30mg de 6h/6h). Já há formas de liberação lenta de diltiazem e verapamil, o que se adequou bem ao princípio de tratamento ideal da hipertensão arterial. Reduzem pouco a resistência periférica, deprimem a contratilidade cardíaca, com diminuição do consumo de oxigênio; agem sobre o sistema de condução, sendo providos de efeitos eletrofisiológicos e antiarrítmicos e dificultando a condução do impulso elétrico. Não devem, portanto, ser usados em associação com betabloqueadores. O estudo Nordil, com utilização do diltiazem, mostrou que esta droga foi tão efetiva quanto a diurética, o betabloqueador ou ambos em prevenir AVC, infarto do miocárdio e outras mortes cardiovasculares(17).
               No estudo Vamphyre comparou-se verapamil SR com anlodipina, e a eficácia foi igual, porém houve aumento da atividade simpática com anlodipina e redução com verapamil.
               O verapamil é uma boa opção terapêutica na hipertensão da gravidez ou no idoso sem bloqueio cardíaco e com boa reserva muscular ou na dissecção aórtica.
               Outros BC sintetizados recentemente compreendem a nimodipina, a nicardipina, a nitrendipina e a isradipina, todas pertencentes ao grupo das diidropiridinas, bem como a anlodipina e a lacidipina. A anlodipina foi avaliada no estudo Tomhs, junto com mais quatro drogas, e foi a eleita para reduzir a PA com mínimos efeitos adversos e por ser a mais bem tolerada. A cefaléia e o edema de tornozelo permanecem como os efeitos adversos mais freqüentes das diidropiridinas. O benefício em longo prazo tem relação com o permanente efeito diurético leve. A lacidipina protege contra dano vascular e mortalidade, mesmo em doses que não cheguem a reduzir a PA. Experimentalmente, os bloqueadores do cálcio protegem lesão glomerular após nefrectomia subtotal, por reduzir o crescimento glomerular compensatório.
               Com relação à associação com diuréticos, o benefício vai depender do bloqueador de cálcio. Assim, no caso do verapamil e do diltiazem há benefício, enquanto que para a nifedipina e outras diidropiridinas não há benefício (efeito não-aditivo). Além disso, as diidropiridinas são eficazes mesmo com alta ingesta de sódio, e duvida-se que o sódio baixo na dieta possa potencializar o efeito. A combinação de inibidor da ECA com verapamil reduz mais a microalbuminúria do que qualquer das drogas isoladamente.
               Os BC são extensamente metabolizados no fígado, mas possuem diferentes modos de excreção. A nifedipina é excretada preferencialmente por via renal, o verapamil o faz por via hepática, e o diltiazem tem um padrão ambíguo de excreção.
               As contra-indicações ao uso dos BC são mais importantes e freqüentes com relação ao verapamil, incluindo BAV, choque e insuficiência cardíaca. Evita-se também sua associação com os betabloqueadores e antiarrítmicos. A nifedipina e o diltiazem encontram sua principal restrição na gestação, em virtude de seu potencial teratogênico.
               Infelizmente, os bloqueadores de cálcio com relação vale/pico reduzida, aqueles que elevam a freqüência cardíaca e aqueles de meia-vida curta, como a nifedipina, aumentam significativamente a morbimortalidade dos pacientes hipertensos. Assim, no momento atual, apenas os bloqueadores do cálcio que não estejam nesta situação, como o verapamil de ação prolongada, a nifedipina Gits, a lacidipina, a anlodipina, a felodipina, a nitrendipina (estes últimos associados a betabloqueador) e o diltiazem de ação prolongada, podem ser usados com segurança na HAS(18). Já se utiliza o verapamil sob a forma de cronoterapia (menor liberação inicial).
               Os seguintes estudos comprovaram aumento de sobrevida com uso de diidropiridínicos na HAS: Insight, Syst-Euro e China Syst.

    Syst-Euro e China Syst

              Estes dois estudos, muito bem delineados e com vários desdobramentos, representam um grande marco da medicina baseada em evidências, pois demonstraram o benefício indiscutível do bloqueador de cálcio nitrendipina no tratamento dos hipertensos idosos(19).
               A nitrendipina pode ser usada como primeira linha na hipertensão, conforme apontam os estudos. No estudo Syst-Euro foram incluídos mais de 4 mil pacientes com hipertensão sistólica isolada, e o fármaco reduziu as complicações cardíacas, com mortalidade 41% menor, desfechos cardiovasculares diminuídos em 33% e os cardíacos fatais e não-fatais em 33%. Neste estudo, o número total de pacientes estudados foi de 4.995 em uso de nitrendipina de 10mg a 40mg, e seus resultados apontaram que, em cada mil pacientes tratados por cinco anos, foram evitados 29 AVCs e 53 mortes cardiovasculares. Perplexidade positiva de benefício ocorreu quando se utilizou nitrendipina em diabéticos com hipertensão sistólica. A droga mostrou-se redutora de complicações, em particular de AVC, e neste grupo foi bem superior a diurético e betabloqueadores na proteção contra este evento.
               Estudo recente demonstra também que a nitrendipina, diferentemente dos diuréticos e dos betabloqueadores, diminuiu a demência em 50%. Quando há perda de função renal na HAS, não se consegue reduzir a PA para os níveis desejados sem um antagonista do cálcio, e o rim não é prejudicado.
               No estudo Syst-China os mesmos benefícios do Syst- Euro foram verificados em grande população chinesa. As drogas bloqueadoras do cálcio constituem um grupo heterogêneo em que algumas não são benéficas, outras têm efeito neutro e outras têm claro benefício, como é o caso, por exemplo, da nitrendipina. Compreendem-se, assim, os aspectos aparentemente controversos da utilização dos bloqueadores de cálcio, pois não podemos falar em efeito de classe. Na clínica, é necessário o uso dos conhecimentos advindos da medicina baseada em evidências(20).
               Para finalizar, realçamos alguns aspectos de fundamental importância a respeito dos bloqueadores dos canais de cálcio: 1) estas drogas representam venda de bilhões de dólares; 2) são mais prescritas no tratamento da hipertensão arterial sistêmica; 3) não se pode admitir que haja efeito de classe. Portanto as verdades científicas se referem especificamente às drogas utilizadas nos grandes estudos, que apontam para bloqueadores de cálcio específicos, ora com efeito neutro em relação à morbimortalidade cardiovascular, ora com efeito deletério (que pode ser dependente do tipo de formulação com diferentes relações vale/ pico), ora com efeitos benéficos, no caso, por exemplo, da nitrendipina.
               A aderência dos ACC em cinco anos é de 75%.

    Antagonistas da angiotensina II
    no receptor AT-1

              Existem receptores específicos para a ação da angiotensina II (AII) em vários locais do organismo. Entre estes, que vão desde AT-1 até AT-7, os mais importantes, de acordo com os conhecimentos atuais, são AT- 1 e AT-2. Estes receptores podem ser ativos ou inativos. Em conseqüência dos efeitos da AII em AT-1, haverá vasoconstrição e proliferação celular.
               A AII pode ser produzida por outras vias além da transformação de AI para AII por intermédio da cinase II, local em que atuam os inibidores da ECA e, em conseqüência, elevam os níveis de bradicinina. Portanto o bloqueio da cinase II permite que haja, com o tempo, o fenômeno de escape parcial, que é constatado na clínica após cinco meses de uso destas drogas. Obviamente, se bloquearmos o receptor específico AT- 1 da AII, não teremos tal fenômeno.
               Os receptores AT-2 estão relacionados com a diferenciação celular, efeitos no embrião e no feto, na angiogênese e na cicatrização. A possível grande implicação clínica do bloqueio AT-1 com liberação AT- 2, promovido pelo sartan, é a antiproliferação. Assim, enquanto os efeitos AT-1 são proliferadores, a liberação AT-2 é antiproliferante (ação em fosfatases e núcleo celular).
               O bloqueio AT-1 promovido por drogas como os sartans determina vasodilatação e inibição do crescimento, que serão de utilidade na HAS e na insuficiência cardíaca.
               Estas drogas, descobertas em 1982, ligam-se ao receptor de modo específico e, ainda, bloqueiam a resposta da AII.
               Os receptores AT são encontrados, por exemplo, no coração, e os subtipos de AT-3 a AT-7 ainda não são suficientemente conhecidos. Além do coração, são encontrados em vasos, rins, adrenal e cérebro.
               Os inibidores da ECA apresentam efeito benéfico, em parte, por aumento do óxido nítrico (NO) e da PGI2; entretanto aumentam os níveis de noradrenalina. Em conseqüência da bradicinina, o paciente poderá apresentar tosse, angioedema, disfunção renal e hipotensão. Tais efeitos não ocorrem com o sartan. Como os IECA não liberam os receptores AT-2, sua cardioproteção é menor.
               Conforme já referido, os grandes problemas dos IECA são os paraefeitos, bem como o escape da AII. Entretanto os bloqueadores de AT-1, além de melhorarem a hemodinâmica aguda e crônica, como os IECA, têm efeitos mais específicos e seletivos, sem os paraefeitos. Tal como com os inibidores da ECA, os antagonistas do receptor da angiotensina II devem ser usados com cautela em pacientes com estenose arterial renal.
               Eles podem causar deterioração da função renal nestes pacientes, embora isto tenha menos propensão de ocorrer com os sartans do que com os inibidores da ECA. Em relação à capacidade para o exercício, esta é pouco modificada tanto pelos IECA como pelos sartans.
               Entre os sartans disponíveis no momento podemos citar o losartan, o valsartan, o candesartan e o telmisartan. Todos agem de modo semelhante (Quadro 7), entretanto há aspectos a se realçar: 1) o losartan isoladamente tem vale/pico menor que 0,50, enquanto o telmisartan tem valor de 0,90; 2) o losartan reduz o ácido úrico; 3) todos permitem aderência superior a 91% com efeitos adversos não-diferentes do placebo; 4) constituem drogas de uso obrigatório, mesmo que associadas, em diabéticos e em hipertensos de alto risco. No estudo Renaal, o tempo para dobrar a creatinina, a evolução para insuficiência renal terminal e o desfecho composto de insuficiência renal mais morte diminuíram em 20% no grupo tratado com losartan. O estudo provou que, do ponto de vista renal, não há toxicidade do antagonista de cálcio, porque o antagonista baixou a pressão arterial(21-23). No estudo Life se comprovou a superioridade de losartan x atenolol.
               No Prime Registry com irbesartan, nos estudos IDNT e Irma II, demonstrou-se o benefício deste fármaco em hipertensos diabéticos em estágio inicial e avançado da doença renal(22, 23). Por outro lado, no estudo Marval se demonstrou a utilidade do valsartan, com superioridade em relação a microalbuminúria, comparando-se nos hipertensos com tal condição valsartan x anlodipina.
               A aderência dos sartans em cinco anos é de 91%. Há estudos em andamento com valsartan (Value) e telmisartan (On Target), e já há evidências da superioridade destas drogas, como o candesartan, em HAS leve a moderada (Scope). Deveremos evitar os sartans em adolescentes femininas em idade fértil.

    Drogas anti-hipertensivas que
    deprimem o SNC

    Alfametildopa

              Age no SNC através do estímulo aos receptores alfa- 2-adrenérgicos (pré-sináptico) do tronco cerebral (centro vasomotor). Também pode agir sobre os neurônios periféricos (pouca importância).
               No SNC, a alfametildopa é transformada em alfametil norepinefrina, sendo liberada do neurônio adrenorreceptor para estimular alfaadrenorreceptores centrais, reduzindo o influxo simpático do SNC e, com isso, a PA, além de reduzir levemente a freqüência e a performance cardíaca. Seu uso leva à redução da massa cardíaca, mas infelizmente seu emprego crônico determina, após anos, vários efeitos colaterais severos, como as reações auto-imunes.

    Doses habituais

              Via oral, 250-1.000mg, duas vezes ao dia; intravenosa, 250-1.000mg de 4h/4h ou 6h/6h, podendo levar à tolerância. Início da ação: 1h-3h; pico de 3h- 5h; duração de 12 horas.

    Efeitos colaterais

              Impotência ou perda da ejaculação, congestão nasal, retenção de sal e água, irritação gastrintestinal, hipotensão postural (menos comum do que com a clonidina e o guanabenz), boca seca, galactorréia, fibrose retroperitoneal (rara), colite ulcerativa aguda, ginecomastia, hepatite crônica, provas de função hepática anormais com ou sem necrose hepática, sedação, depressão do SNC, teste de Coombs positivo, febre aguda, miocardite (rara), artralgia, síndrome auto-imune (teste para anticorpo antinuclear positivo em 10% e célula LE em 20%), anemia hemolítica e síndrome de Parkinson (rara). A alfametildopa deve ser evitada no feocromocitoma e na hepatopatia ativa, quando do uso de inibidores da MAO, visto que pode ocorrer crise hipertensiva grave. Pode levar a efeito rebote com a retirada abrupta (não-habitual).

    Clonidina

              É um derivado imidazólico cujo mecanismo de ação é semelhante ao da alfametildopa, levando à diminuição da atividade adrenérgica sobre o coração, os rins e os vasos periféricos, diminuindo, assim, a PA, a FC e a performance cardíaca. Só deve ser utilizado em pacientes que tenhamos certeza de que não abandonarão o tratamento, devido à freqüente hipotensão postural acarretada pelo seu uso. Vem sendo usada quando outras drogas não conseguem controlar a HAS, como terceira ou quarta droga do esquema terapêutico.
               Outra aplicação se daria em desordens psiquiátricas e na síndrome da retirada de opiáceos. Tem a vantagem de ser de baixo custo. É, depois do captopril, a droga de escolha na urgência hipertensiva, na dose de até 0,100mg de hora em hora.

    Dose habitual

              Via oral, 0,1-0,6mg, duas vezes ao dia. No estudo Apis se utilizou clonidina transdérmica em HAS estágios I e II, e 56% estavam sob controle em um ano, sem rebote ou paraefeitos sérios.

    Alfa-1-Bloqueadores

              O prazosin, o terazosin e o doxazosin bloqueiam o receptor alfa-1 pós-sináptico. Relaxam a musculatura lisa da próstata, razão pela qual se opta, nestes casos, pelo doxazosin em hipertensos prostáticos, na dose de 1mg a 2mg ao dia. Pode ser associado com betabloqueador na HAS do feocromocitoma. No estudo All Hat se demonstrou o risco do uso crônico do doxazosin em hipertensos(25).

    Efeitos colaterais

              Hipotensão postural, sintomas visuais, boca seca, constipação, retenção urinária e impotência. Deve ser evitado em coronariopatia, insuficiência vascular periférica, diabetes melito, glaucoma e prostatismo.

    Vasodilatadores de ação sobre a musculatura lisa

    Hidralazina

              Age no território arterial, tendo uma ação direta e outra mediada pelas prostaglandinas sobre a musculatura lisa destes vasos. Devido a este fato, os antiinflamatórios não-hormonais podem diminuir sua ação.
               Diminui a RVP e reflexamente aumenta a FC e a performance cardíaca, além de aumentar as circulações renal, coronariana e hepática. Não deve ser usada em doses acima de 200mg/dia, já que são freqüentes os relatos de psicose, pancitopenia, neuropatia, sangramento gástrico, deficiência de piridoxina e síndrome lupus like. Particularmente, estes achados são observados em pacientes com baixa capacidade de acetilação da droga e/ou com uso de doses entre 300mg/dia e 400mg/dia por muitos anos. Retém água e sal e sua ação é potencializada pelo uso de diuréticos. Outra associação freqüente é com os betabloqueadores.

    Doses habituais

              De 50mg a 200mg divididos em quatro tomadas por via oral; 10mg a 20mg por via intravenosa ou 10mg a 50mg por via intramuscular, de 6h/6h (pode haver tolerância). Início de ação em 10-20min, com pico em 20-40min e com duração de 2-6h.

    Efeitos colaterais

              Além dos já comentados, temos: hipertrofia do VE, náuseas, vômitos, diarréia, anorexia, cefaléia e taquicardia. Evitar seu uso nos portadores de lúpus.

    Drogas de ação imidazolínica

              Corte transversal da medula demonstra o núcleo reticular lateral rico em receptores Im1, e drogas como a rilmenidina, que atuam nesta região, promovem redução da PA, com desativação adrenérgica e sem sedação, que decorre de ação alfa-2 em outra região (núcleo do trato solitário). Esta droga tem vários efeitos positivos nos hipertensos (Quadro 8).
               Trata-se de droga de primeira linha, indicada também para os obesos, na apnéia do sono, no ronco e no hiperadrenergismo, não tendo efeito rebote. É particularmente útil na síndrome plurimetabólica, já que também reduz a resistência insulínica e a microalbuminúria e melhora a dislipidemia.
               Realçamos que a rilmenidina é um simpaticolítico que se distingue inteiramente dos demais, inclusive pela sua aderência, que se iguala à do placebo(26).

    Associação de drogas

              Temos observado, nos estudos publicados recentemente, que, em grande parte deles, mais de 50% dos indivíduos têm que fazer uso de duas ou três drogas para que o objetivo de controlar a hipertensão arterial seja efetivamente alcançado.
               Algumas dessas associações são questionáveis, como, por exemplo, betabloqueador e IECA, pois nenhum estudo mostrou qualquer ganho para a redução da pressão, a não ser pós-infarto do miocárdio. Em hipertensão, entretanto, é uma associação não-recomendada. Com a nova meta terapêutica da HAS, percebese a superioridade da associação de drogas, em associação fixa ou não (Tabela 5). No estudo Athes se utilizou ramipril com hidroclorotiazida em associação fixa em 624 pacientes, e houve superioridade significativa da associação e com menos efeitos adversos.
               Alguns requisitos são necessários para uma combinação segura e eficaz de duas drogas hipotensoras, tais como: 1) os mecanismos de ação das drogas devem ser diferentes, mas complementares; 2) a eficácia anti-hipertensiva deve ser maior do que com drogas individuais; 3) deve ocorrer somatório total ou parcial das propriedades de proteção tecidual das drogas; 4) os efeitos hemodinâmicos e humorais devem ser minimizados, assim como os efeitos colaterais.
               Entretanto há ainda relutância, porque os médicos sempre foram treinados a ajuste de doses, contudo a combinação ajudará a chegar ao alvo, pois é mais fácil e mais barata para médicos e pacientes. Mas certamente há vantagens, como melhor aderência, melhor ajuste de doses e maior eficácia. As melhores combinações, fixas ou não, são uma droga antiga e uma nova (Figura 5).
               Em relação à proteção renal, obtêm-se resultados aditivos com a associação de IECA com antagonistas dos canais do cálcio (Quadro 9).

    Outras drogas

              Drogas ainda em fase de aplicação clínica incluem omapatrilato e bloqueadores de endotelina.
               O omapatrilato age em endopeptidase, elevando o nível de fator natriurético atrial e bloqueando angiotensina II. Foi estudado mais na ICC, no Impress Trial e Overture, mas sem aparentes vantagens com os IECA. Parece determinar com maior freqüência edema angioneurótico. Por sua vez, os bloqueadores de endotelina, como o bosentan, têm utilidade em especial na HAS provocada pela ciclosporina. Os bloqueadores da neurocinina poderão ser úteis para aliviar sintomas e hipertensão da pré-eclâmpsia, já que a placenta produz proteína NKB ou neurocinina B, que leva à HAS.
               O fenoldopan é agonista periférico da dopamina com efeitos na pressão arterial.

    Considerações finais

  • A comparação de IECA (enalapril e lisinopril) com ACC (felodipina e isradipina) e diurético versus betabloqueadores em hipertensos idosos foi feita no estudo Stop-2, e não houve diferença entre as drogas em relação aos desfechos clínicos relevantes. Mas os IECA foram superiores, principalmente na prevenção do IAM (23% com p = 0,018). Notar que os ACC não foram os mais adequados.
  • No estudo Nordil se comparou diltiazem com betabloqueador - diurético, e o diltiazem reduziu AVC, mas perdeu pelo aumento de IAM e ICC.
  • Nos estudos ABCD (nisoldipina x enalapril) e Facet (fosinopril x anlodipina) demonstraram-se menos eventos cardiovasculares nos diabéticos tratados com IECA em comparação com os tratados com ACC(27, 28).
  • Na metanálise de Pahor, o pior desfecho foi para os ACC, que foram inferiores às demais drogas, porém, por exemplo, não se incluiu a nitrendipina(29).
  • Na metanálise de Neal comparam-se IECA, ACC e placebo, e os IECA reduziram significativamente DAC, AVC e eventos cardiovasculares, e os ACCs reduziram AVC e eventos, mas não incluíram os estudos Castel, Facet e Midas, em que os resultados com ACC foram inferiores(30).
  • Com o estudo Life e os que se seguiram houve mudança de paradigma, de tal modo que os hipertensos de alto risco devem ter incluído no seu tratamento o bloqueio da angiotensina II (sartan).
  • Não basta a droga reduzir a pressão arterial.
  • Dependendo da situação, a escolha do fármaco é fundamental, já que a mesma redução da PA com as várias drogas pode levar a reduções diferentes de morbimortalidade cardiovascular.
  • Deve-se lembrar da real possibilidade de aumento de câncer renal em mulheres jovens com o uso dos diuréticos.
  • A associação de drogas aumenta a eficácia e a aderência em relação à dose crescente de uma só droga.
  • O atrativo dos IECA e antagonistas da angiotensina II é crescente.
  • Os ACC são de primeira escolha na hipertensão sistólica (nitrendipina), e segunda ou terceira alternativa em outras situações.
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