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    Feocromocitomas são tumores de células cromafins do eixo simpático-adrenomedular que, embora raros – 0,5% entre os hipertensos com sintomas sugestivos(1) e 4% entre pacientes com incidentalomas da supra-renal(2) –, devem ser considerados na avaliação de pacientes hipertensos, em portadores de doença do pânico e arritmias cardíacas e ao longo do curso evolutivo de doenças familiares como neoplasia endócrina múltipla II (MEN II), doença de von-Hippel-Lindau, neurofibromatose do tipo 1 e tumores do corpo carotídeo.

              Os testes bioquímicos e os métodos de imagem utilizados para o rastreamento e localização dos tumores têm, usualmente, pouca sensibilidade e especificidade. Isto explica por que muitas vezes o diagnóstico correto se torna difícil, predispondo os pacientes às conseqüências por vezes catastróficas da liberação de significativa quantidade de catecolaminas pelo tumor, em resposta a estímulos por vezes banais. Corretamente diagnosticado, e adequadamente tratado, o feocromocitoma é curável; quando não, acaba tendo curso fatal(3).
               A suspeita clínica emerge diante das manifestações de efeitos fisiológicos e farmacológicos do excesso de catecolaminas e que incluem: hipertensão arterial sustentada e resistente ao tratamento convencional; crise hipertensiva manifestada sob a forma de hipertensão maligna, encefalopatia hipertensiva, infarto do miocárdio ou dissecção aórtica; e episódios paroxísticos de convulsões, ansiedade e hiperventilação pulmonar. Mais raramente, o feocromocitoma pode causar hipotensão e choque ou hipertensão severa na vigência de cirurgia ou trauma. A tríade clínica cefaléia, sudorese e palpitações deve sempre levantar a suspeita de feocromocitoma, apresentando sensibilidade de 89% e especificidade de 67% no diagnóstico da doença(1). Em uma série de 21 mil hipertensos, a ausência destes sintomas praticamente excluiu o diagnóstico(4). A Tabela 1 mostra a freqüência de sintomas descritos em uma série de casos de cem pacientes com feocromocitoma(5).

    Diagnóstico do feocromocitoma (ver Figura 1)

    O diagnóstico depende de se estabelecer uma estratégia para demonstrar excesso de catecolaminas e de seus metabólitos no plasma e na urina. A Tabela 2, do National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos(6), reproduz os principais testes bioquímicos de dosagem das catecolaminas, as respectivas metodologias e situações onde o tumor é considerado improvável, possível ou provável, tendo como referência as concentrações de catecolaminas ou seus metabólitos no sangue e na urina.
               A dosagem do ácido vanilmandélico (VMA) na urina, ainda muito solicitada entre nós, é pouco sensível. Uma excreção urinária normal de VMA não exclui o diagnóstico da doença(7, 8). Atualmente a cromatografia líquida de alta pressão (HPLC), com detecção eletroquímica ou fluorométrica, é o método que muitos laboratórios preferem para se estimar os níveis de catecolaminas no plasma ou urina(9). Outros ensaios, com menos interferência analítica, como cromatografia gasosa ou líquida associada a espectroscopia de massa (GC-MS, LC-MS), começam a ser implementados e logo estarão sendo utilizados em laboratórios comerciais, inclusive no Brasil.

    Qual seria o melhor teste bioquímico para excluir o diagnóstico de feocromocitoma?

    A pergunta é importante. Excluir o diagnóstico de feocromocitoma por conta de um resultado falso negativo pode representar graves conseqüências, inclusive fatais, ao paciente. Em contrapartida, um resultado falso positivo tem impacto menor, pois poderá ser refutado posteriormente por outros procedimentos( 6).

    A abordagem para se comprovar bioquimicamente o excesso de catecolaminas é fundamental para o diagnóstico da doença, embora apresente algumas limitações que precisam ser consideradas: 1) as catecolaminas e seus metabólitos são liberados pelas terminações nervosas simpáticas e pelas adrenais, não sendo, portanto, específicas de feocromocitoma, podendo elevar-se não só em condições fisiológicas, como em vários outros estados patológicos; 2) não é infreqüente um feocromocitoma secretar catecolaminas intermitentemente; 3) alguns tumores não secretam catecolaminas em quantidade suficiente, por isso não são sintomáticos nem alteram os ensaios bioquímicos. Assim, os testes comumente empregados para se estimar as catecolaminas no plasma e na urina, ou mesmo outros ensaios bioquímicos, como a mensuração da cromogranina A, não excluem nem confirmam, de modo confiável, um tumor(8).
               As sensibilidade e especificidade de vários métodos bioquímicos de diagnóstico de feocromocitoma são apresentadas na Tabela 3(6).
               A dosagem plasmática das metanefrinas livres (metabólitos 0-metilados das catecolaminas) por HPLC, que mede a normetanefrina e a metanefrina, é atualmente o meio mais efetivo de se diagnosticar feocromocitoma(10, 11). Embora recentemente desenvolvido, está hoje disponível inclusive em vários laboratórios e hospitais brasileiros. Detalhes sobre sua metodologia podem ser acessados on-line no site www.catecholamine.org/lab.procedures. Concentrações de normetamefrina superiores a 2,5pmol/ml ou de metanefrina superiores a 1,4pmol/ml indicam feocromocitoma com 100% de especificidade(12). Além disso, a determinação das metanefrinas livres no plasma oferece sensibilidade de 99%, quando comparada à sensibilidade de 85% e 83% das catecolaminas plasmáticas e urinárias, respectivamente. Por outro lado, as metanefrinas livres sofrem menos interferência das mudanças posturais e do estresse pré e peroperatório(13).
               Um resultado negativo (consultar Tabela 2 para valores de referência) praticamente exclui o diagnóstico de feocromocitoma, exceto em situações de tumores pequenos, como acontece nas formas familiares da doença(6).
            Quando os níveis plasmáticos de metanefrinas livres não estiverem disponíveis, pode-se optar pela mensuração das frações das metanefrinas na urina por HPLC. Há que se estar atento para resultados que ainda utilizam as metanefrinas totais na urina de 24 horas dosadas por ensaio espectrofotométrico. Este teste tem sensibilidade de apenas 76%, contra 83% das catecolaminas urinárias fracionadas por HPLC.
               Níveis elevados de metanefrina e normetanefrina no plasma não significam, porém, que o paciente tem feocromocitoma. Em verdade, o número de resultados falsos positivos ultrapassa os resultados verdadeiros positivos. Contudo pode-se esperar que 80% dos pacientes com feocromocitoma comprovado cirurgicamente apresentem resultados verdadeiros positivos(12).

               Várias interferências analíticas explicam os resultados falsos positivos. Medicamentos como acetaminofen, antidepressivos tricíclicos, inibidores da monoaminoxidase e fenoxibenzamina ativam reflexamente o sistema nervoso simpático e devem ser suspensos pelo menos 72 horas antes da coleta de san- gue. A composição da dieta também interfere no ensaio, recomendando-se que bebidas cafeinadas e descafeinadas sejam interrompidas 12 horas antes da realização do exame. A obtenção da amostra de sangue deverá ser feita somente após o paciente permanecer deitado, em repouso, por pelo menos 20 minutos, a fim de se evitar a ativação fisiológica do sistema simpático. Lembrar, também, que insuficiência cardíaca, hipertensão renovascular e disautonomia são situações que se associam a hiperatividade simpático-adrenérgica e podem contribuir para resultados falsos positivos(13).

    Testes de supressão e estímulo

               Se ainda persistir qualquer dúvida sobre a positividade das metanefrinas no plasma, o procedimento subseqüente é mensurá-las novamente, pois, como são produzidas continuamente pelo tumor, a repetição de valores normais exclui a suspeita de feocromocitoma. Se permanecerem elevadas, solicita-se o teste de supressão pela clonidina.
               O teste da clonidina é particularmente útil para distinguir entre concentrações elevadas de norepinefrina plasmática, que refletem sua liberação pelas terminações simpáticas, daquelas liberadas pelo tumor(14, 15). A diminuição de 50% ou mais dos níveis plasmáticos de norepinefrina três horas após a administração de 0,3mg de clonidina por via oral, ou a redução destes níveis para valores inferiores a 2,96nmol/l, indica resposta normal. Se os valores permanecerem elevados, antes e após a clonidina, o diagnóstico passa a ser muito provável, exceto nas condições em que o tumor secreta intermitentemente, levando a resultados falsos negativos(16, 17). Resultados falsos positivos com o teste da clonidina podem aparecer em pacientes que utilizam antidepressivos tricíclicos ou diuréticos(16). Neste caso, indica-se o teste de estímulo pelo glucagon. Um aumento três vezes acima dos níveis basais de norepinefrina dois minutos após a infusão de glucagon indica, com alta especificidade, a presença de feocromocitoma(18). O teste, porém, não é sensível, e um resultado negativo não exclui o diagnóstico. Lembrar que tanto o teste de supressão – que pode levar a hipotensão severa, como o teste de estímulo, que pode induzir hipertensão arterial, deverão ser realizados com o paciente internado e conduzidos por equipe experiente.

    Localização do feocromocitoma

    A tomografia computadorizada tem sensibilidade de 93% a 100% para detectar feocromocitomas localizados nas supra-renais(19, 20). Nos casos de tumores extra-adrenais, a sensibilidade diminui para menos de 90%(21). Em contrapartida, a ressonância nuclear magnética tem sensibilidade igual ou menor para tumores adrenais, mas é superior para detectar tumores extraadrenais( 19, 20). Ambos os métodos têm, porém, baixa sensibilidade, que pode chegar a 50%, em virtude de revelarem, com relativa freqüência, massas nas suprarenais que não são feocromocitomas(22, 23).

               Se os resultados da tomografia computadorizada e da ressonância magnética forem negativos, deve-se solicitar a repetição de uma destas técnicas de imagem para o rastreamento de corpo inteiro em busca de feocromocitomas, muitas vezes diminutos e localizados em sítios anatômicos como tórax, áreas justacardíacas e justavasculares(20, 24).
               A cintigrafia com 131-I-meta-iodobenzilguanidina oferece especificidade de 95% a 100%, sendo útil no diagnóstico de tumores extra-adrenais, nas formas recorrentes ou metastáticas de feocromocitoma e tumores com importante grau de fibrose que distorce a anatomia da glândula. O mapeamento, porém, não tem sensibilidade suficiente para excluir feocromocitoma(21, 22, 25).
               A tomografia por emissão de pósitrons (PET) é ainda método de diagnóstico restrito a poucos centros de imagem e que depende da captação e retenção de radiofármacos por diferentes tecidos. Diferentemente da imagem obtida com 131-I-meta-iodobenzilguanidina, que requer 24 a 48 horas para uma adequada definição, a PET visualiza o tumor quase imediatamente após a administração do radiofármaco(26).
               Por fim, deve-se considerar que um paciente pode ter feocromocitoma sem que a tomografia ou a ressonância o tenham detectado. Nesses casos, a mensuração de catecolaminas e metanefrinas plasmáticas no sangue colhido da veia cava inferior poderá auxiliar o diagnóstico(12).